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Revisão: Caroline Silva e Valquíria Matiolli

Projeto gráfico: Anna Yue

Diagramação: Anna Yue e Francisco Lavorini

Capa: Fabio Oliveira

Adaptação Para Ebook: Hondana

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Angélica Ilacqua CRB-8/7057

Viscardi, Jana

Escrever sem medo [livro eletrônico] / Jana Viscardi. - São

Paulo : Planeta do Brasil, 2024.

ePUB

ISBN 978-85-422-2597-6 (e-book)

1. Escrita – Técnica 2. Escrita criativa 3. Criação (Literária,

artística, etc.) I. Título

24-0147 CDD

808.042

Índices para catálogo sistemático:

1. Escrita - Técnica

Ao escolher este livro, você está apoiando o manejo

responsável das florestas do mundo

2024

Todos os direitos desta edição reservados à

EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA.

Rua Bela Cintra, 986, 4o

 andar – Consolação

São Paulo – SP – CEP 01415-002

www.planetadelivros.com.br

faleconosco@editoraplaneta.com.br

Para Izabel e Zinho,

que acreditaram em mim desde o dia um.

Sumário

Introdução

O desafio de escrever

1. O que saber antes de começar a escrever

Saber parar

Escrever como sinônimo de ler e observar

2. Não existe certo nem errado

3. As tensões da língua: questões de raça, classe e gênero

A oralidade na escrita

O feminino genérico

A linguagem não binária

4. Caixinha de ferramentas: alguns recursos essenciais

da língua

“Como é que chama o nome disso?”

“Foi morta”?: o lugar da voz passiva nos textos

O sentido e a quebra de expectativa

Explicando demais? O caso dos advérbios

Frases longas, frases curtas

Ponto aqui, vírgula acolá

5. A escrita para além do texto

A escrita e o medo: estratégias?

6. Para finalizar: o que fica?

Introdução – O desafio de escrever

Para começar nossa conversa, talvez eu deva contar que sou

linguista. Ao que você prontamente poderá me perguntar o

que isso significa. Não se preocupe, você não é a primeira

pessoa a carregar essa dúvida; eu já respondi a ela inúmeras

vezes. Linguista é a pessoa que estuda Linguística, uma área

do conhecimento que procura entender as mais variadas

questões sobre linguagem: como um bebê aprende a falar,

como as palavras se formam, como as línguas diferem entre

si, quais as variedades linguísticas de uma mesma língua, e

por aí vai. Dentre as muitas questões a serem estudadas e

exploradas, uma delas muito me interessa: do que é que se

faz um texto e como ele se organiza? Dessa primeira

pergunta outras tantas me acompanham: como fazemos uso

dos recursos linguísticos que nos estão disponíveis para

escrever? Todos os textos devem seguir as mesmas “regras”?

Quais as semelhanças e diferenças entre os vários formatos?

Num mundo em que (ainda) temos um olhar bastante

normatizador sobre a língua e também sobre o texto escrito,

meu interesse se concentra em observar as diferentes

possibilidades nos usos das estruturas linguísticas, sem

buscar determinar uma forma única ou fixa de pensar – e

produzir – um texto. Isso significa que essa maneira de

considerar o texto poderá, em boa medida, diferir da maneira

como um professor tradicional de língua portuguesa (ou,

como se diz costumeiramente, “de gramática”) pensa e fala

sobre língua e, claro, também sobre texto.

No entanto, ser linguista não implica ignorar ou negar o

ensino de língua portuguesa em sala de aula. Há, inclusive,

inúmeros estudos que vêm buscando discutir e (re)pensar o

que se entende majoritariamente como ensino de língua

portuguesa nas escolas, e muitos são os linguistas que se

debruçam sobre o tema.[1] Eu mesma, em diferentes fases da

minha vida, ensinei português para turmas de distintas

faixas etárias. Aulas particulares de preparação para o

vestibular, aulas em instituições de ensino médio e superior:

ocupando esses espaços, eu me deparei com inúmeras

pessoas sofrendo para unir as pontas de seus textos, chegar à

“ideia mais original”, seguir adiante além de um único

parágrafo e, ainda, claro, incluir os tantos conectivos

requeridos para que o texto fosse classificado como “bom”.

Há uma série de questões que atravessam a sala de aula, da

perspectiva tanto de quem ensina quanto de quem aprende:

a realidade socioeconômica, as profundas desigualdades de

oportunidade de estudo e o acesso à cultura e à leitura.

Assim, ensinar e aprender português não é “só” ensinar e

aprender português; é transpassar um oceano de questões

importantes que impactam as dinâmicas de aprendizado da

língua. Nessa jornada, sempre achei curioso o uso da

expressão “ensinar/aprender português” porque, se você

parar para pensar, toda pessoa que entra pela primeira vez

em uma escola já sabe português. O que essa pessoa –

criança ou adulta – muito provavelmente não sabe é fazer

uso de formas escritas do português, o que já torna a

conversa bastante diferente. Aliás, mentira: certamente há

também formas da oralidade com as quais quem chega à

escola não necessariamente tem familiaridade, e é provável

que essas formas estejam também bastante próximas de

formas da escrita que serão ensinadas na escola. Assim, toda

vez que alguém disser que você precisa “aprender

português”, é importante se perguntar o que está sendo

chamado de português. Muitas vezes, é uma variedade

escrita da língua, rotineiramente idealizada e definida pela

alcunha de “norma culta”, sobre a qual falaremos adiante.

Quando interpeladas sobre seus hábitos de escrita, é

também comum que as pessoas afirmem não saber escrever

em português, uma língua muitas vezes avaliada como “muito

difícil”. No entanto, na contramão do que muitas pessoas às

quais já ensinei costumam me dizer, elas estavam expostas à

leitura e à produção de textos escritos variados no cotidiano,

em circunstâncias mais ou menos formais, ao mandar emails de trabalho, produzir relatórios técnicos, enviar

mensagens para amigos, escrever listas de compras ou

algum recado antes de sair de casa. Então, o que significa

dizer que não se sabe escrever em português? E por que as

pessoas assumem tantas vezes não escrever regularmente

quando estão expostas a diferentes práticas de escrita no

cotidiano?

Mesmo agora, como produtora de conteúdo digital, em um

espaço em que procuro continuamente desmistificar os

entendimentos estáticos e idealizados de língua e texto, sigo

recebendo mensagens de pessoas envergonhadas ao me

escreverem. “Por favor, não me corrija, eu não sei escrever.”

Há quem diga que tardou a me enviar uma “simples”

mensagem em uma rede social porque tinha certeza de que

estava escrevendo algo errado e tinha medo de ser corrigida

por mim. As aspas em “simples” são intencionais: escrever

gera tanto medo nas pessoas que uma mensagem enviada a

uma desconhecida pode repousar por dias até que alcance

seu destinatário. O receio, inúmeras vezes, é da avaliação e

consequente correção do que foi escrito ali. Mesmo no

privado.

Sempre me intrigou todo esse discurso em torno da língua

portuguesa e da escrita, mas foram precisos muitos anos e

alguns tantos estudos para elaborar melhor esse incômodo.

Da primeira vez que ofereci o curso “Escrever sem medo”,

minha grande questão era mostrar para as pessoas que elas

escreviam cotidianamente e que o faziam, sim, a partir de

diferentes formatos de texto. Reconhecer isso não implica

afirmar que as pessoas não têm dificuldades para escrever;

também não significa afirmar que somos competentes em

todos os usos escritos possíveis de uma língua. Ninguém é.

Mesmo aquela escritora incrível que você tanto admira. É

possível que ela seja um fenômeno escrevendo um romance,

mas não sabemos de suas habilidades escritas quando se

trata de elaborar, por exemplo, um relatório técnico. E

provavelmente ela não precisará produzi-lo e se preocupar

com sua estrutura. Além disso, seus romances certamente

são lidos e revistos por profissionais do texto que contribuem

para que a escrita seja fluida e chegue até você “nos

trinques”. Não tenha dúvida: este livro que você está lendo

também passou por todas essas revisões e leituras. Ou seja,

isso não deveria ser uma questão: há habilidades escritas que

precisamos desenvolver porque não fazemos uso delas no

cotidiano, porque não são práticas com as quais temos

contato. Quem tem o hábito de escrever regularmente pode

ter mais facilidade em se adaptar à escrita de novos gêneros,

mas isso não significa que o faça sem nenhum desafio.

Afinal, escrever é desafiador.

Não podemos nos esquecer, no entanto, daquilo com que

temos contato. Reconhecer práticas de escrita no cotidiano

de tantas pessoas letradas implica apenas demonstrar que há

formas e formas de escrever, a partir das diferentes ocasiões

a que somos expostos e das demandas de escrita que temos

nos diferentes contextos. Além disso, é importante lembrar,

pessoas analfabetas também estão em contato com textos

escritos. As tecnologias usadas no nosso cotidiano têm

trazido distintas possibilidades, como a leitura automática do

texto em voz alta e o envio e recepção de mensagens por

áudio para consolidar as interações por meio de textos orais.

Então, mesmo plataformas a princípio focadas na escrita

passam a agregar essas possibilidades, como no caso do

WhatsApp.[2]

Assim, desenvolver a habilidade da escrita significa, entre

outras tantas coisas, reconhecer os contextos de uso dessa

escrita. Escrever bem não é sinônimo único e exclusivo de uso

da norma-padrão. De nada adianta usar, por exemplo, um

conjunto de formas rebuscadas atreladas a um vocabulário

pouco conhecido para escrever um e-mail de trabalho que

preza pela objetividade e simplicidade. A língua e, portanto,

o texto não são entidades que estão fora do mundo, isoladas,

imutáveis, estáticas – e é preciso fazer uma leitura do

contexto de produção para entender quais usos se adéquam

àquela ocasião. Ter isso em conta ao escrever todo e qualquer

tipo de texto contribui de maneira fundamental para

“destravar” ao longo da jornada. Além disso, a busca

incessante pelo uso restrito de uma norma faz muitas

pessoas entenderem a própria escrita como constantemente

inadequada. No entanto, ao escrever um texto, é preciso

reconhecer, entre outras coisas, a audiência a que se destina,

o gênero escolhido para transmissão da ideia, os recursos

disponíveis para a produção daquele gênero, as informações

a serem trazidas, os conhecimentos compartilhados entre

quem escreve e quem lê, os processos de revisão e edição. A

graça em escrever está, justamente, em reconhecer as

diferentes nuances e possibilidades dos gêneros textuais, das

inúmeras escolhas que podem ser feitas a partir dos

interesses de quem escreve e leva seu texto adiante.

Escrever demanda, portanto, observar uma série de

características do texto – e do entorno. Demanda também a

desmistificação da forte romantização, idealização e

elitização do ato de escrever em e para alguns espaços como

algo exclusivo e destinado a apenas uma pequena casta de

pessoas. Em uma sociedade tão desigual como a brasileira,

ninguém ganha nada em seguir defendendo – direta ou

indiretamente – um entendimento de língua que ignora as

variedades linguísticas e as impede de adentrar o universo da

escrita e da disseminação de textos.

Com este livro, eu espero poder expandir essa conversa

sobre a escrita para você que está aí do outro lado destas

páginas. São tantas as questões instigantes que envolvem a

escrita. Que possamos então fazer esse caminho de mãos

dadas.

1.

O que saber antes de começar a escrever

“o tempo não para

e, no entanto,

ele nunca envelhece”

- Força estranha, Caetano Veloso

Quando Gal Costa faleceu, em 2022, eu dediquei horas a ouvir

suas canções. No mesmo dia eu daria início a mais uma

turma do meu curso “Escrever sem medo”, que deu origem a

este livro. Eu estava muito emocionada, mexida mesmo. Gal

Costa é um acontecimento. E ao revisitar inúmeras de suas

canções, me deparei com os versos, já tão conhecidos, que

abrem este capítulo. Foi com eles que decidi dar início à

minha aula naquele dia porque essa relação entre o tempo e o

envelhecer me pareceu tão conectada à questão da escrita.

Escrever é, entre outras coisas, deixar registrado no tempo

aquilo que experimentamos num dado momento da nossa

história (e da história em si), não importa se estamos falando

de um texto acadêmico, ficcional ou (auto)biográfico. Toda

escrita é, inevitavelmente, um registro de um dado

momento, ainda que não atue como um espelho, como

representante direta do mundo. E quando revisitamos algo

que escrevemos, esse texto pode ganhar novas cores, uma

nova leitura, e nunca será exatamente o mesmo que foi

antes. Assim, um texto não para de ganhar novos

significados e, talvez por isso, assim como o tempo, não

envelhece.

Na perspectiva que busco trazer para você nestas páginas,

a língua é, então, entendida a partir de sua dinamicidade,

interatividade e heterogeneidade, o que tem implicações

importantes para pensarmos o texto, entendido como um

evento único, produzido a partir de uma dada situação

comunicativa, com um objetivo (ou vários) específico e

destinado a uma audiência, demandando de nós o emprego

de uma série de recursos linguísticos, selecionados a partir

das características que queremos destacar.

Quando entendemos a língua como algo heterogêneo

(porque tem diferentes formas e estruturas, que podem

variar de acordo com questões geográficas, etárias, de

identidade de gênero, entre outros fatores), interativo

(porque se dá na interação entre sujeitos e textos) e dinâmico

(porque muda ao longo do tempo), somos capazes de

perceber de maneira mais abrangente e completa não apenas

a língua, mas também a produção textual, que passa a ser

reconhecida como um processo igualmente heterôgeneo,

interativo e dinâmico.

Assim, uma lista de compras terá características distintas

daquelas de um diário, que terá características distintas das

de um conto, que terá características distintas das de um

artigo científico. Cada um desses textos poderá também

compartilhar semelhanças, mas é provável que você faça

escolhas bastante diferentes ao escrever um artigo científico

ou criar uma lista de compras. Os recursos linguísticos que

emprega (conectivos variados, vocabulário, usos mais e

menos formais da língua, entre outros elementos) para

atender às demandas do formato serão diferentes. É o que se

convenciona chamar de “gêneros textuais”, formatos com

uma certa estabilidade usados quando produzimos um texto

e que nos ajudam a delimitar as demandas dessa escrita.

Pense, por exemplo, em uma redação para o vestibular: o

texto argumentativo ali requerido tem uma série de

características específicas que precisam ser atendidas.

Assim, quem escreve tem a chance de receber uma boa nota

– eis o objetivo desse gênero textual: demonstrar que se sabe

fazer uso de diferentes recursos, transformados em critérios

de correção.

É possível que os critérios para a escrita de um dado

gênero textual estejam explicitados em manuais, como no

caso de textos literários submetidos a um concurso, textos

acadêmicos submetidos à avaliação e posterior publicação

em uma revista ou textos enviados para publicação em

diferentes plataformas de redes sociais. Esses critérios se

tornam norteadores da escrita e são reconhecidos a partir do

estudo e também da observação do cotidiano.

Assim, produzir um texto é pensar também as diferentes

etapas que compõem o processo de produção textual. Ainda

que essas etapas não sejam fixas ou estejam presentes em

todos os textos que se produz no cotidiano, e muitas vezes se

sobreponham no processo de escrita, é interessante

mencioná-las. Em inúmeras ocasiões é importante primeiro

planejar o que se pretende dizer – e como –, para então

produzir, e depois, por fim, revisar um texto.

A etapa de planejamento inclui definir as leituras que

serão feitas como parte do estudo do seu projeto de escrita;

quem é a audiência para a qual seu texto se direciona; quais

os argumentos que você pretende trazer; quais os recursos

linguísticos que você pretende empregar na construção dos

seus argumentos; a partir de qual gênero textual seu projeto

será desenvolvido. Certamente fará parte do planejamento

do seu projeto de escrita pensar também a plataforma de

publicação do seu texto: ele será publicado em um blog? Em

uma rede social? Como parte de um compilado de textos em

uma publicação coletiva em formato de livro? Em uma

revista científica? Em um jornal? Todos esses

questionamentos (e talvez outros que venham à sua mente aí

do outro lado) são importantes porque contribuirão para que

você entenda o formato do texto e já possa, assim, produzilo considerando essas características.

Um exemplo simples: quem decide escrever um texto em

uma rede social como o Instagram precisa ter em vista que os

textos ali publicados têm apenas 2.200 caracteres,[3] nenhum

caractere a mais. Se seu texto ultrapassa esse limite, será

preciso publicar o material “excedente” nos comentários, e

não no corpo do texto principal. Além disso, para publicar

um texto no Instagram, é preciso, necessariamente, publicar

também uma imagem que o acompanha (e antes disso tudo,

claro, é preciso ter uma conta na rede social). Ou seja, o

conhecimento da plataforma de publicação e suas regras é

parte significativa do planejamento do texto para que você se

prepare para as circunstâncias específicas de publicação.

Mais um exemplo: se você está escrevendo uma dissertação,

é possível que tenha que atender a uma série de normas

definidas pelo departamento e universidade em que se

realizou a pesquisa. É fundamental conhecer tais normas e

formatos para estruturar as ideias que você pretende

elaborar na dissertação. Essas normas podem incluir o

atendimento tanto à Associação Brasileira de Normas

Técnicas (ABNT) quanto a características determinadas pelo

departamento específico, em função das características dos

trabalhos produzidos ali.

É dessa maneira que podemos entender a escrita como

uma atividade estratégica nos diferentes contextos em que é

produzida: em uma newsletter, em um texto para rede social,

em um conto para um compilado ou em uma coluna para um

jornal. Cada um desses formatos demandará reflexões e

estratégias distintas. Vamos a mais um exemplo: na era da

“economia da atenção”, as colunas de jornal vêm sendo

divulgadas com títulos/manchetes inúmeras vezes

sensacionalistas, que causam fúria e, não raro, amplo

compartilhamento. Aqui, cabe uma discussão importante

sobre a ética do jornalismo em tempos de mídias sociais e

disputa de atenção, que atravessa a produção textual e a

estratégia de escolha de estruturas que despertem a atenção

do possível leitor. Mas, sem dúvida, tem-se aí, desde

sempre, o planejamento das escolhas dos títulos para que

atinjam mais pessoas. É com base nesse entendimento das

condições de produção ou de publicação que se vai planejar

um texto, com foco em sua presença nos diferentes

contextos.

A partir do momento em que, idealmente, o seu texto foi

planejado e os estudos que são parte da escrita foram feitos,

chegamos à segunda etapa: é hora de escrever. É possível que

você já tenha feito anotações, escrito o rascunho de ideias ou

o resumo de um conjunto de leituras. Ou seja, as etapas não

são necessariamente lineares. É possível que você volte a

estudar ao longo do caminho da escrita, por exemplo, assim

como é possível que você já revise trechos do seu texto

enquanto ainda o escreve. A escrita se dá por caminhos

tortuosos: há dias em que o texto flui, as ideias se organizam,

você escreve. Mas há dias em que você está diante da folha de

papel ou da tela do computador e nada parece fazer sentido.

O texto parece desarranjado; as ideias, mal estruturadas. No

entanto, é importante entender a escrita como rotina: ela

deve estar sempre lá, mesmo que não flua como o desejado.

Com a conclusão da escrita – ou daquilo que você entende

como parte central do projeto –, chegamos à terceira etapa:

seu texto possivelmente passará por uma revisão – sua ou

profissional, a depender dos recursos (de tempo e

financeiros) que lhe estão disponíveis e também da

plataforma de publicação. Caso se trate de uma postagem

para o seu blog, é possível que você mesma faça a revisão e

publique o texto. Mas se já há uma estrutura de trabalho

coletiva, é possível que parte dessa equipe seja composta por

editoras e revisoras, que leem seu texto criticamente para

identificar possibilidades de melhoria e trechos que não

fazem sentido. Caso se trate, por exemplo, de um artigo

acadêmico, será preciso ainda enviar o texto para a revista

escolhida, e ele será avaliado por pares, pesquisadores da

área com competência para analisar seu trabalho por sua

escrita, pelo tema e articulação teórica escolhidos antes da

publicação. Sugestões de revisão do texto, dos argumentos

ou da bibliografia (que poderão levar você a novos estudos

pontuais) poderão ser feitas. Só depois dessa etapa seu texto

é publicado (ou rejeitado, como é possível acontecer nesse

formato).

Observe que interessante: para falar sobre as etapas de

elaboração de um texto, nossa conversa foi além de

apresentar apenas tecnicalidades do como escrever. É

sempre importante lembrar que escrever um texto depende

de uma série de fatores, que incluem, também, a questão

financeira e de disponibilidade de tempo. E também, claro, a

participação de diferentes profissionais das Letras.

Falaremos mais sobre isso adiante. Para mim, neste ponto do

livro, importa deixar claro que o texto é um evento

comunicativo de caráter dinâmico. Mesmo quando concluído,

ele pode ser revisitado.

Veja, por exemplo, o caso da escritora Lygia Fagundes

Telles. Em entrevista de 2009[4] sobre a nova edição do seu

livro As meninas, ela afirma que acrescentou ao texto

originalmente publicado em 1973 “três ou quatro linhas”,

porque sentiu que precisava trazê-las, ainda que anos depois

de sua primeira publicação. Estamos falando de uma

escritora renomada, com extensa obra literária, que decide

acrescentar ao texto também renomado algumas tantas

linhas, o que nos faz pensar que um novo olhar sobre o texto

pode acontecer a qualquer tempo. No paralelo com os versos

cantados por Gal Costa, o texto também não envelhece: pode

ser relido e reeditado, mesmo tantos anos depois. Isso não

significa que envelhecer seja ruim, é claro. Faz parte da vida

e dos textos. Mas que, antes, a passagem do tempo não o

mata; envelhecer é viver, o que significa também sempre ter

espaço para o novo.

Isso não significa que aquilo que deixou de entrar no texto

não “atormente” quem escreve: em texto[5] sobre o escritor

Fred Moten, Stephanie Borges, escritora e tradutora, pontua

o sofrimento de Moten diante daquilo que ele entendia faltar

em seu livro de ensaios Na quebra: A estética da tradição radical

preta (2023). A falta sentida pelo autor é publicizada catorze

anos depois da publicação da primeira edição da obra, em

2003.

Os exemplos de Lygia Fagundes Telles e Fred Moten nos

lembram de que um texto passa por várias leituras e

ponderações (mesmo depois de publicado) de quem o

escreveu, de quem contribuirá para que seja publicado e,

claro, da audiência que terá acesso a ele a partir da

publicação. Não há quem publique um texto sem que ele

passe por várias mãos. Não há. E, tantas vezes, no meio do

caminho, a releitura leva a reflexões e frustrações e, em

alguns casos, a reescritas, ainda que “pequenas”, como no

exemplo de Lygia Fagundes Telles. A linearidade não é uma

característica intrínseca à escrita. Em contrapartida, como

vimos, a hesitação é.

Saber parar

Que fique claro, porém: a revisita inevitavelmente precisa ter

um fim, ao menos num dado ponto da escrita. As reflexões

sobre o que faltou ou sobrou podem seguir, mas é bastante

provável que você precise parar de intervir no texto. Isabel

Allende, em relato sobre seu processo de escrita no livro Why

We Write [Por que escrevemos, em tradução livre], de

Meredith Maran,[6] observa que passou a ser mais rigorosa

quando começou a escrever usando o computador. Ao

perceber que poderia revisar seus textos enquanto os

escrevia, se deu conta de que seu estilo se tornou muito

“duro”. Aprendeu, assim, a evitar o excesso de correções.

Porque é preciso, em algum momento, parar. Seja porque o

prazo chegou, seja porque o espaço é curto para tantos

acréscimos: não há texto que seja a representação exata do

mundo e de tudo o que desejaríamos dizer, e esse

entendimento poupa tempo e energia de quem acredita que

deverá descrever um estado de coisas “exatamente como elas

são”. Há inúmeras formas de fazê-lo, eis a unicidade de cada

texto, uma de suas características intrínsecas.

Assim, passear pelo próprio texto deve ser um exercício de

reconhecimento e amadurecimento da própria escrita, algo

que acontecerá durante toda a vida de quem escreve. O

“passeio” não deve, contudo, atuar como um limitador da

escrita a partir de uma lógica hostil ou rígida com cada

palavra colocada no papel. Fazer ponderações sobre o que se

escreve é crucial, mas quando o texto nunca é entendido

como suficiente temos, possivelmente, um alerta vermelho.

Eu me lembro, por exemplo, da escrita da minha

dissertação e da minha tese. São textos que, desde

concluídos, não revisitei. Eu mal consigo olhar para eles, se

posso ser sincera com vocês. Escrevê-los foi parte de longas

jornadas de estudo e diálogo com inúmeros autores,

aprendizado e transferência dessas ideias para o papel, com

constantes revisitas ao texto a partir das leituras feitas pela

minha orientadora. Foram períodos importantes dedicados à

escrita e à revisão. Quando os concluí, senti que faltava algo,

que era preciso mais. E, claro, eu poderia ter escrito mais,

porque, como eu disse antes, é sempre possível refletir mais,

estudar mais e, portanto, escrever mais. Mas foi preciso

concluir aqueles dois projetos, entendendo que faziam parte

de momentos específicos da história da minha pesquisa, a

partir de um conjunto de estudos, dados e objetivos de

análise; além, claro, de um conjunto de recursos financeiros

e de tempo disponíveis naquele momento, a partir de um

dado ponto da minha trajetória como pesquisadora,

trajetória que incluía o inevitável aprendizado de escrita

daqueles gêneros textuais. Afinal, só se escreve uma tese

uma vez.

Assim, foi preciso parar: de estudar novos autores, de

buscar novos dados, de incluir mais um capítulo, de

adicionar mais uma nota. Há sempre mais a conhecer no

mundo, e poderia haver mais a ser trazido para aqueles

textos, mas há limites que precisam ser reconhecidos,

porque contribuirão inclusive para demarcar o espaço do

projeto que você opta por consolidar e escrever. O

planejamento do texto pode contribuir até mesmo para essa

delimitação do que fará parte de um projeto de texto. Será

preciso, sempre, em algum momento, dizer “chega,

acabou”. Ora porque há um prazo a ser cumprido, ora porque

a bolsa de estudos acabou; ora porque você chegou à exaustão

por diferentes razões, ora porque não havia mais condições

de seguir com aquele texto. Você, aí do outro lado,

certamente poderá elencar outras tantas razões para a

finalização de um projeto de escrita ainda que pense mas eu

deveria continuar escrevendo, ainda não acabou.

E veja só, este não é um problema exclusivamente seu.

Esse sofrimento é compartilhado até mesmo por pessoas

experientes. Virginia Woolf, escritora, ensaísta e editora

britânica, registrou que a escrita da biografia de seu amigo

Roger Fry lhe trouxe tanta angústia e sofrimento que ela

acabou por aceitar a sugestão de sua irmã: deixou o projeto

de lado para escrever suas memórias, que se transformaram

no livro Um esboço do passado.[7] Ou seja, foi preciso

abandonar o texto da biografia para retomá-lo em outro

momento, depois de um certo afastamento. Há diferentes

razões para esse afastamento, é claro, e certamente você terá

as suas. Por isso, também é preciso saber parar.

Escrever como sinônimo de ler e observar

Eu fico com a impressão de que este livro pode acabar se

tornando um grande apanhado de lugares-comuns. Confesso

a você que não me importo se esse for o entendimento do

público leitor. Sinto uma angústia tão grande ao ver a

maneira como as pessoas idealizam a escrita que a repetição

de lugares-comuns importantes me parece fundamental. Em

especial numa sociedade em que a escrita é colocada em uma

redoma quase mística, que faz com que também o processo

de escrita de um texto seja entendido de maneira

semelhante. É como se qualquer pessoa que escreve seguisse

a mesma jornada: a partir de uma iluminação, ao contemplar

o horizonte, com o olhar perdido, de repente, plum, surge

diante de si um conjunto de imagens e ideias que se

transformam em uma obra. Assim, pá pum. Paira no

imaginário de muitas pessoas a escrita como pura inspiração

de gênios escritores. De repente, algo se revela a quem

escreve e pronto. Basta sentar, munido de papel e caneta, e

tudo está resolvido.

Eu tenho uma notícia pra dar. Não funciona assim. É

possível escrever um conto, um texto jornalístico, um

poema, de uma vez só? Evidente que é. Basta buscar relatos

de pessoas que escrevem regularmente e você vai encontrar

episódios de quem se viu, de repente, quase afogado em um

texto que “simplesmente” veio. Mas o que até mesmo essas

histórias podem esconder é: esse “simplesmente” não é tão

simples assim.

Um texto não surge no mundo embalado a vácuo. Quem

escreve também não vive em uma bolha encerrada em si

mesma, sem acesso ao mundo “exterior”. Isso significa que

somos, todos os dias, “alimentados” das mais variadas

percepções, imagens que nos impactam ou trazem singeleza,

toques, encontros, risos, horror, lágrimas. Todo o conjunto

de experiências que compõem a vida de cada um de nós nos

constitui e contribui para o processo de escrita. Ideias não

surgem do “nada”, mas das inúmeras experiências e

vivências a que estamos expostos. “Do nada”, um clique, e

você escreve a partir de um dos “gatilhos” do cotidiano.

Aqui, de novo, não idealize: o que te “engatilha” pode ser

tanto uma flor bonita diante da sua janela quanto a lixeira

cheia de moscas que rondam a cozinha.

Assim, escrever passa, inevitavelmente, por observar o

entorno (eu não disse que estaríamos navegando no mar do

lugar-comum?). A atenção à vida e a seus detalhes marca a

construção de qualquer texto: para produzir uma reportagem

jornalística, é preciso ter atenção às informações de uma

dada ocorrência a ser reportada; para escrever um poema,

ainda que abstrato, a observação do mundo também pode ser

crucial. E o que é que isso significa? Que as informações que

nos circundam são parte significativa do nosso repertório.

No texto Escrever,

[8] Marguerite Duras, escritora e

dramaturga francesa, relata seu processo de escrita, a relação

com a casa em que escreve, o ambiente ao redor, as pessoas

que fazem parte da sua vida e sua relação com elas enquanto

escreve. Num dado ponto do texto, ela relata a experiência de

acompanhar a morte de uma mosca. Uma mosca. Presa no

vidro, ela se debate, mas, ao fim, morre. Para além de

descrever o episódio da morte e o relato que fez da ocorrência

a uma amiga, Duras também se dedica a pensar o

entrelaçamento entre esse episódio cotidiano e a escrita. A

autora revela, com isso, a importância da observação do

cotidiano, de tudo que há no cotidiano. Por que a morte de

uma mosca não poderia ser um tema para a escrita? Um

parágrafo ou todo um conto, não importa. Esta não é uma

reflexão exclusiva de Marguerite Duras. São inúmeros os

escritos que destacam a importância de se observar o

cotidiano e suas nuances.

Muito me agrada encontrar observações como a de Duras

sobre a escrita porque costumeiramente as pessoas que

fazem meus cursos dizem não saber se têm ideias

suficientemente boas para escrever. Se questionam sobre

seus repertórios culturais, sobre aquilo que alcançam. Esse

outro – o ideal de escritor – sempre parece saber mais, ter

mais recursos. De novo, temos aqui um entendimento

bastante particular – glamorizado e elitizado – de texto.

Temos também um entendimento sobre esse outro que

escreve – e sabe muito, sabe mais, sabe sempre. Contínuas

idealizações: do processo de escrita e da pessoa que se põe a

escrever. Marguerite Duras escolheu falar, entre tantas

coisas, sobre aquela mosca. Minha mãe já escreveu uma

redação sobre a alma de um pente. Eu já escrevi sobre a

maneira como os sons do português se organizam. Cada um

desses textos foi escrito para uma ocasião específica, num

momento específico da vida dessas pessoas. Todos esses

textos foram escritos, e nenhum deles deveria ser invalidado

ou diminuído porque fala de um tema considerado mais ou

menos “nobre”. Quem é que define o que é “nobre” ou

“importante” o suficiente para compor um conto, um livro,

uma postagem em um blog? É claro, não sejamos ingênuos:

entre ter uma ideia, escrever um texto e vê-lo publicado, em

especial por editoras conhecidas, há um longo caminho a

percorrer. Caminho que não necessariamente é justo. O

objetivo em trazer os exemplos anteriores é mostrar que o

seu texto não deixa de ser interessante porque você escolheu

um tema X, enquanto todos estão falando de Y. A questão,

muitas vezes, é mais como o texto está produzido e quem o

está produzindo e menos o quê.

Um texto parte de uma observação do mundo – mesmo

aqueles considerados ficção. É da observação do mundo que

se pode “desviar” dele e construir outras realidades. Dessas

observações do mundo ao redor surgem textos que eu e você

lemos cotidianamente. Não importa se se trata de textos de

ficção ou de não ficção. Todos precisam, em alguma medida,

levar em conta uma dada observação do mundo.

Buscar “O” (assim, com letra maiúscula mesmo)

momento que vale a escrita provavelmente levará você a

jamais escrever uma linha. E a busca por esse momento

especial nos faz pensar, uma vez mais, nos sentidos do texto.

Se é preciso encontrar um momento muito importante,

mágico ou divino que faça jus à escrita, é porque entendemos

o texto como esse espaço privilegiado em que apenas

algumas tantas coisas podem ser absorvidas e apresentadas.

No entanto, há um sem-fim de histórias que partem do

cotidiano para se desenvolverem. Você sabe disso também.

Por que, então, partir da observação do cotidiano para

construir uma história não seria suficiente ou digno? Por que

essa história não pode ser o ponto de partida para que outros

tantos elementos surjam e desbravem as páginas? É a

maneira como nos comportamos diante das experiências no

mundo que contribuirá para a maneira como avaliaremos e

descreveremos a realidade que nos circunda. É o seu olhar

sobre uma experiência que tornará a sua história única, ainda

que compartilhe um sem-fim de características com outras

histórias.

Descobrir um novo produto no supermercado, conversar

com o taxista, abrir uma cerveja no final da tarde, voltar para

casa de ônibus depois de um turno exaustivo de trabalho,

caminhar sozinha pelas ruas ou pelo campo. Cada uma

dessas atividades nos permite observar inúmeros

acontecimentos que estão (ou não) circunscritos a elas: você

pode tanto estar atenta às pessoas no ônibus enquanto volta

para casa quanto pode observar a rotina da pessoa que dirige

o carro ao lado e sequer nota que você observa o que ela faz.

Eu me lembro do tema central de uma série de textos da

escritora e ilustradora brasileira Aline Valek em que ela

observava as pessoas do seu cotidiano, numa caminhada, ao

andar de ônibus ou pegar o metrô. “Escolhia” uma delas, a

desenhava e, em seguida, imaginava uma história para ela. A

partir desse mote, a autora escreveu uma série de textos

ficcionais.[9] A vida, minha gente, é um livro aberto a ser

escrito. Esses episódios todos podem se tornar tópicos – e

inspiração – da nossa produção.

Ou seja: é a partir do seu olhar sobre o mundo que os

temas ganharão as mais variadas nuances. Seu olhar sobre o

mundo traz experiências únicas, mesmo que outras tantas

pessoas tenham vivido experiências semelhantes. Pode

parecer contraditório, mas não é. Cada um de nós vive

experiências ao longo da vida que nos conectam às outras

pessoas da mesma comunidade – e mesmo de outras tantas

comunidades do mundo. Essas mesmas experiências nos

permitem que tenhamos um entendimento particular de

mundo, porque conectamos de maneira particular a relação

entre as diferentes informações a que temos acesso.

Mas não só de observação se constrói a escrita. Já ouvi

vários alunos dizerem que tinham muito medo de não serem

originais em suas escritas. Que sentavam diante do

computador sem conseguir escrever uma linha, não sabiam

nem sequer por onde começar. E ao sugerir que lessem

outros textos, via que muitos se sentiam angustiados por

pensarem que estariam “copiando” outras obras e, com isso,

perderiam a originalidade. Mais uma vez, ponto para essa

lógica torta do texto que brota da terra. Do texto que é

perfeito de primeira, da obra-prima que nasce lapidada e

sem qualquer referência externa. Que curioso esse mundo

tão idealizado, em que outros textos não existem. Que

curioso esse mundo em que as ideias surgem do vácuo, e não

através do contato com outras tantas ideias. Mikhail

Bakhtin, pensador russo, nos sinaliza ainda no início do

século 20 que a dialogia é parte integrante do texto. Ou seja,

todo texto está em diálogo com outros textos produzidos ao

longo da história.[10] Assim, entendo que a busca pela

originalidade não deveria se definir a partir da negligência a

outras obras que podem ser constitutivas da sua escrita.

Entre outras coisas, é a maneira como você articula as

diferentes informações em seu texto que poderá garantir

originalidade ao trabalho.

Assim, não podemos nos esquecer, nunca: escrever é ler.

Não existe escrita sem leitura – do próprio texto, do texto de

outras pessoas. É inevitável para desbravar outros mundos,

ideias e teorias, para conhecer estilos, analisar criticamente

escolhas sintáticas, figuras de linguagens, formatos. É

possivelmente através dessas leituras que você vai encontrar

seu próprio caminho na escrita. Testar a partir de outros

textos é, inevitavelmente, parte disso.

Ler é importante para adquirirmos conhecimento de

mundo, um requisito crucial para a produção e interpretação

textual. É também importante porque poderá contribuir para

entender a maneira como um autor articula os diferentes

argumentos para conduzir seu texto. Mas, além disso, ler é

importante para que observemos a forma: a busca

ensandecida pela “originalidade” faz esquecer a influência

que escritores têm sobre o trabalho uns dos outros. Tanto já

foi dito. E tantos autores escrevem a partir daquilo que os

move em outros textos. Conhecer outros autores, suas

escolhas, sua forma de guiar quem os lê, a maneira como

começam um parágrafo, como usam as vírgulas, como

repetem ou “exterminam” adjetivos: todos esses

movimentos e outros tantos mais podem ser observados a

cada leitura, se é isso que se quer extrair dela. E é a partir

desse tipo de leitura que você poderá reconhecer estilos que

agradam mais e com os quais você mesma gostaria de

trabalhar, a partir de suas próprias ideias.

Exercício

Neste ponto da nossa conversa, sugiro um exercício de

observação e leitura: busque o livro de sua escritora

favorita. Releia um ou dois parágrafos (se for poesia,

uma ou duas estrofes – o importante é ser um trecho

curto) da obra e analise o que há no trecho que tanto

agrada você. É a maneira como descreve os episódios?

A alternância entre frases curtas e longas? O humor

inesperado? Pode ser um texto jornalístico, um

romance ou um artigo de blog. O que importa é buscar

um material que tenha chamado a sua atenção.

A partir dessa observação, foque seu olhar em um

objeto ou uma ação que acontece diante de si e escreva

um parágrafo sobre a situação ou objeto que você

decidiu observar, seguindo o estilo que você

identificou em sua autora preferida. Não há certo ou

errado aqui, o objetivo é fazer com que você vá

reconhecendo o estilo e tente reproduzi-lo na escrita

de um parágrafo a partir de uma ideia sua.

Volte para o texto já escrito alguns dias depois para

revisitá-lo, relê-lo, avaliá-lo. O que você vê? Quais

elementos gostaria de manter, o que acha que não faz

sentido? Enquanto você faz essa reflexão, vamos ao

próximo capítulo?

2.

Não existe certo nem errado

Você se lembra de quando começou a escrever na escola? Das

dinâmicas de produção textual presentes ali? As lembranças

podem ser muito variadas entre as pessoas que me leem,

porque somos um país não só muito grande, mas também

muito desigual, o que tem implicações importantes no

processo de escolarização da população. É possível que você

tenha estudado em uma escola com muitos recursos

disponíveis, ou então em uma escola onde faltava até mesmo

giz e papel higiênico. Da mesma maneira, em algum

momento da sua fase escolar, talvez você tenha estudado e

trabalhado ao mesmo tempo, ou então tenha tido como única

prioridade estudar e aprender. Talvez você precisasse andar

por apenas cinco minutos para chegar até a escola, talvez

você precisasse usar diferentes transportes públicos para só

chegar uma ou duas horas depois. Sua turma pode ter tido

vinte alunos, ou então sessenta, para os quais apenas uma

professora teria de direcionar seus esforços de ensino. São

inúmeras as diferenças que nos cercam. Todas elas podem

reverberar na maneira como os conteúdos serão ensinados e

discutidos por docentes e aprendidos por estudantes. E,

embora não seja o objetivo deste livro trazer uma análise

aprofundada dessa questão, considero fundamental

apresentá-la no início deste capítulo porque é importante

para pensarmos nossa relação com a língua e com o texto. As

profundas desigualdades podem levar a experiências

bastante diversas de ensino e aprendizado, não só mas

também, da língua portuguesa.

Antes de prosseguirmos, é preciso fazer uma observação

fundamental: todas as línguas do mundo variam. Na

verdade, poderíamos aqui até nos perguntar, como o fazem

os linguistas, o que é uma língua, como ela se constitui.

Sugiro, então, um exercício: preste atenção às pessoas com

quem você conversa ou àquelas que você ouve em filmes,

seriados, telejornais. Como elas falam? Os sons e palavras

que utilizam são mais ou menos semelhantes aos seus? Além

disso, como escrevem as pessoas com quem você interage

nas redes sociais? E com quem troca e-mails de trabalho?

As variedades linguísticas nos acompanham o tempo todo,

muitas vezes sem que as percebamos. Estão relacionadas à

idade dos falantes, à região em que vivem, ao seu grau de

escolaridade, à intimidade entre quem está interagindo,

entre outros tantos fatores. Essas variedades não se

restringem, portanto, a aspectos relacionados a diferentes

graus de escolarização dos indivíduos. E ainda que haja

tantas diferenças estruturais e mesmo de metodologias de

ensino, é bem provável que nossas experiências de

aprendizado da língua portuguesa se igualem em um lugar: o

contato bastante marcado pela avaliação e pela lógica

normativa.

O que quero dizer com isso? Que o aprendizado da escrita

costuma se dar pelo direcionamento entre o que está certo e

o que está errado. Essa postura não só desconsidera as

mudanças contínuas da língua – que também reverberarão

na escrita – como também leva a um entendimento bastante

restritivo de todas as manifestações da língua, sempre a

partir do binômio certo × errado, contribuindo, assim, para a

rotineira inferiorização das variedades que não atendem à

lógica do “certo”, apresentada no âmbito escolar e reforçada

por diferentes instituições reguladoras de língua.

Preste atenção à sua postura ante a escrita e a fala a que

você se vê exposta no seu cotidiano. De que maneira você

avalia aquilo que lê e ouve? Compreendendo que há

diferentes formas de expressão empregadas em diferentes

contextos, ou entendendo que há uma forma que está certa,

enquanto todas as demais estão erradas? Se assim for, não

lhe parece curioso que em um universo tão rico de

possibilidades apenas uma, difícil de ser alcançada, é

considerada possível?

Como pontuei anteriormente, quando se diz que se vai à

escola para aprender português, o que se está dizendo é que

se vai à escola para aprender formas específicas do

português, que estão costumeiramente atreladas à normapadrão,[11] conhecida popularmente como norma culta ou,

ainda, gramática normativa.

Ao ensinar a norma nas escolas, muitas vezes o recorte

que se faz se concentra em apresentar o que está certo e o

que está errado na língua. Assim, as variedades linguísticas

(inúmeras!) que vemos representadas (também, mas não só)

naquilo que conhecemos popularmente como “dialetos” ou

“sotaques” ficam à margem da discussão e são colocadas

como formas menores e inferiores da língua. Curiosamente,

no entanto, são essas as formas usadas por quem chega à

sala de aula, e são essas também as formas empregadas pelos

próprios professores que as condenam, em diferentes

situações de uso do dia a dia. A negação desses usos da língua

leva ao que se conhece como “preconceito linguístico”,[12]

resultado de uma lógica comparativa pejorativa entre o que

seria o ideal de uma língua e suas manifestações concretas.

Como as gramáticas costumam pautar a produção de suas

regras em textos literários, específicos, cristalizados e

datados, a tal norma-padrão acaba por se restringir a regras

idealizadas, distantes da produção concreta falada ou escrita

no Brasil, mesmo por aqueles considerados cultos em nossa

sociedade.

Por isso, é importante lembrar: toda e qualquer língua se

transforma ao longo do tempo, ainda que haja esforços –

muitas vezes mobilizados por uma dada elite – que busquem

frear esses movimentos de mudança. Assim, é provável que

formas hoje consideradas correntes e padrão tenham sido,

num passado nem tão distante, formas entendidas como

“erradas”.

Dentre os problemas dessa abordagem do certo e errado na

língua, nomeio três que guardam relação com nossos

interesses aqui: primeiro, é uma abordagem que procura

homogeneizar uma língua que, nem de longe, é homogênea

– as variedades nos mostram isso. Segundo, muitas das

gramáticas usadas ainda hoje para ensinar a norma-padrão

consideram exemplos de manifestações linguísticas de

textos literários antigos; e mesmo que textos recentes sejam

apresentados, os exemplos são escolhidos a dedo para

marcar o que seria a forma correta, e textos literários que não

seguem as regras sugeridas pelo autor são desconsiderados.

E terceiro, a lógica do certo e errado acaba por diminuir as

formas de oralidade como modalidades representativas das

manifestações de língua.

A busca por uma maior homogeneização da língua é algo

relativamente recente na história da língua portuguesa. Um

estudo da professora Maria Carmen de Frias e Gouveia,[13] da

Universidade de Coimbra, nos mostra o quanto há, por

exemplo, variação na marcação de gênero das palavras ainda

nos séculos 16, 17 e até mesmo no século 18. Pense, por

exemplo, que a palavra “planeta” – no sentido de corpo

celeste – era feminina em obras de Gil Vicente, mas

masculina em Os Lusíadas, de Luís de Camões. Hoje,

apresenta as duas formas: uma, masculina, destinada à

definição de corpo celeste; outra, feminina, destinada à

definição de veste usada por párocos em missas. Às vezes,

um texto poderia trazer uma mesma palavra variando na

atribuição de gênero escolhida, ora no feminino, ora no

masculino. O estabelecimento da imprensa e da impressão

de textos em maior escala contribui para essa tentativa de

homogeneização. Na atualidade, essa lógica pode ser

observada, por exemplo, nos diferentes formatos de escrita

formal: há os manuais de escrita jornalística dos veículos de

imprensa, há as variadas exigências para a escrita de textos

acadêmicos, há também os manuais usados pelas editoras

para a revisão e edição de livros publicados, entre outras

ocorrências que você poderá mencionar. E ainda que se

reconheça a importância de uma certa homogeneização e

normatização, não deveríamos reduzir a escrita à produção

textual que se dá a partir de uma dada norma, ignorando, por

exemplo, aspectos da oralidade ou das inúmeras variedades

linguísticas que compõem uma língua.

O professor Carlos Alberto Faraco, linguista brasileiro

bastante conhecido, costuma empregar o termo “norma

curta” para falar das regras que são defendidas sem qualquer

nuance e sem qualquer ponderação sobre as mudanças

linguísticas. O professor Marcos Bagno, outro linguista

também bastante conhecido, nos mostra que a maneira

como se usa corriqueiramente o termo “norma culta” difere

do entendimento que os linguistas têm dela. Para os

estudiosos da linguagem, a norma culta se refere aos usos

correntes da língua por parte de falantes que possuem o

terceiro grau completo e vivem em áreas urbanas. Essa

categorização deriva dos estudos feitos pelo projeto Norma

Linguística Urbana Culta (NURC), dedicado a investigar as

formas empregadas efetivamente por brasileiros letrados

que vivem em centros urbanos de diferentes regiões

brasileiras. Aqui, temos uma diferença significativa: o

projeto investiga manifestações concretas de língua,

mostrando as mudanças que vêm ocorrendo no português

nesse recorte populacional. Já a norma culta como

popularmente empregada no cotidiano se refere às regras

definidas e mantidas em manuais de língua portuguesa que

comumente ignoram as transformações da língua e estão

pautados em exemplos extraídos de obras literárias,

incluindo textos mais antigos, que seguem sendo usados

como referência. É interessante pensar que são escolhidos a

dedo exemplos que atendem ao desejo por uma dada

regulação da língua, mas são costumeiramente ignorados os

exemplos da literatura que se contrapõem às regras muitas

vezes arbitrárias pregadas por esses manuais.

Perceba que há uma distinção importante entre as formas

que são efetivamente empregadas na atualidade e as formas

que são “desejadas” por aqueles que produzem esses

manuais, mas não mais empregadas, em função das

transformações variadas pelas quais passam não só o

português, mas todas as línguas do mundo.

É comum também que se coloque em polos opostos as

formas faladas e as formas escritas. A fala seria, assim,

informal, não planejada, sem edição e, entre enormes aspas,

“não literária”. Já a escrita seria o lugar do formal, do

planejado, do editado e, também, desse “literário”.

Essa divisão em polos distintos já foi, no entanto,

questionada por estudos linguísticos. Um olhar alternativo a

esse reconhece que fala e escrita fazem parte de um contínuo

em que características que são muitas vezes atribuídas

exclusivamente à fala também são características da escrita.

Nessa mesma lógica, características atribuídas mais

exclusivamente à escrita são também características que

podem estar presentes na fala. Isso significa dizer que

oralidade e escrita seriam entendidas como modalidades

diferentes de uma mesma língua, heterogênea,

multifacetada. Pense, por exemplo, em uma palestra: em

geral, esse tipo de produção oral é elaborado previamente,

muitas vezes incluindo um texto escrito que a acompanha.

Temos aí uma fala mais planejada, mais pensada e, portanto,

possivelmente mais formal e “editada”. Não se trata de fala

espontânea, que surge no ato de uma interação a partir de

um estímulo imediato. Em contrapartida, quando você

escreve uma mensagem rápida para uma amiga no

WhatsApp, com pressa, sem revisar, temos aí uma escrita

menos planejada. Assim, em vez de entender a escrita como

o lugar de uma forma única, normativa, o berço exclusivo da

norma-padrão, é mais realista entender escrita e oralidade a

partir desse contínuo, em que as circunstâncias de produção

e o gênero textual, entre outros fatores, contribuem para a

consolidação das características da produção num momento

específico.

Esse contínuo pode levar em conta o contexto de produção

de um texto, a plataforma de distribuição e o público a que se

destina. Essa configuração nos faz entender que minha lista

de compras escrita desconsiderando o plural para os itens

indicados ou uma legenda em uma rede social como o

Instagram que ignore todos os pontos e use apenas vírgulas

para garantir uma fluidez e “ansiedade” ao texto são

possibilidades de uso da língua que não devem ser

condenados: são formas que atendem ao que se propõem

naquele contexto. Da mesma maneira, quando uma autora

decide que um parágrafo de seu livro poderá se expandir por

até duas páginas, em que as ideias vêm interpoladas por

vírgulas e pontos e vírgulas, sem um ponto, ela está trazendo

uma cadência e um ritmo para o texto que não devem ser

questionados pura e simplesmente porque se escolheu não

fazer uso de pontos. Para citar apenas um exemplo

brasileiro, o livro Memória de ninguém,

[14] de Helena

Machado, faz uso recorrente desse recurso, mostrando o

fluxo de pensamento de uma das personagens a partir de

escolhas sintáticas e de pontuação que marcam a confusão.

Não há “erros” ali: há, inclusive, várias normas dentro da tal

norma.

Voltemos, então, aos gêneros: se você deixa um bilhete

para sua namorada ao sair de casa, esse bilhete pode ser

identificado como uma mensagem direcionada a ela em

função de características específicas – mas não estáticas –

desse formato. Assim também será com a bula de remédio:

ao buscar as informações sobre uma medicação que você

precisa tomar, há uma expectativa ante a forma como as

informações estão dispostas ali. Essas características são

comuns às bulas. Outras características poderão aproximar a

escrita de um artigo científico, de uma dissertação de

mestrado ou de uma reportagem jornalística.

É importante que possamos consolidar esse entendimento

e desmistificar os diferentes lugares que a escrita pode

ocupar em nossas vidas – da lista de compras ao artigo

acadêmico. Usamos no cotidiano diferentes gêneros textuais

que demandarão diferentes recursos da língua. Esses usos

serão aprendidos a partir do nosso contato com esses textos

em diferentes espaços de aprendizado, incluindo aqui a

escola e a universidade, mas não apenas nelas. Pense, por

exemplo, na literatura de cordel, frequentemente chamada

de “popular” (e aqui toda uma discussão sobre aquilo que é

rotulado como “popular” ou “regional” poderia ser feita,

mas, infelizmente, esse não é o objetivo deste livro). Ela se

origina a partir de relatos orais, com estrutura característica,

aprendida a partir da tradição oral – não da tradição escrita.

Assim, o que me parece estar no cerne da questão do

“escrever bem” é a apropriação dos inúmeros recursos

linguísticos que nos estão disponíveis (e aqui fiz questão de

não usar o termo gramática, justamente para que não venha

à mente a ideia das regras todas que não podem ser

esquecidas) no processo de escrita. E observe o que digo: no

processo de escrita. Quando a escritora Aline Valek insiste em

dizer que é preciso “confiar no processo”, ela reconhece que

a escrita tem etapas, é parte de uma jornada que se desenrola

ao longo do tempo. Isso implica dizer que seu primeiro texto

não será necessariamente perfeito (há algum texto perfeito?)

e essa “imperfeição” é parte do ato de escrever. E não só a

imperfeição, mas também a hesitação, como pontuei

anteriormente.

Ao ler o livro Coisas que não quero saber, de Deborah Levy,[15]

a descrição do relato de uma entrevista da autora com a

dançarina Zofia Zielińska me chamou a atenção. Zielińska

menciona a hesitação como o centro da sua produção, da sua

presença no palco. Ter consciência de que essa hesitação

pode participar, também, da escrita nos ajuda a compreender

a corda bamba da produção textual, em que a segurança

quanto ao que estamos fazendo nem sempre está presente.

Mas como atravessar a hesitação e se apropriar dos

recursos linguísticos? A observação e o estudo continuado

são parte importante dessa jornada de constante

aprendizado da língua. É preciso ter atenção aos seus usos

em diferentes circunstâncias. Decorar regras e mais regras

não fará a diferença se você não for capaz de reconhecer, na

prática, como fazer uso dos recursos. Um bom compêndio

gramatical, que reconhece mudanças na língua e apresenta

exemplos variados e heterogêneos de uso, pode ser uma boa

ferramenta de busca de formas e estruturas, tornando-se um

livro importante de consulta, assim como também podem ser

um dicionário e um dicionário de sinônimos.

As escolhas também poderão variar ao longo do tempo em

nossa própria escrita. Isabel Allende, no relato que

mencionei anteriormente do livro Why We Write, de Meredith

Maran (2022), sinaliza o incômodo que sentiu ao reler seu

livro A casa dos espíritos anos depois de sua publicação. Ela

destaca o que passa a entender como excesso de adjetivos.

No entanto, no período em que se dedicou a escrever aquele

que foi seu primeiro livro de ficção, era assim que achava que

o texto deveria ser. Não havia nada de “errado” ali.

Essa história – assim como a de tantas outras pessoas que

dedicam suas vidas a escrever – nos mostra que o que

fazemos enquanto estamos escrevendo é testar

possibilidades num universo de recursos possíveis. E a graça

em escrever está no fato de que sempre poderemos fazer uso

de novas estruturas e formatos (e abrir mão de outros) a

partir de novas referências que nos vão surgindo – e, é claro,

a partir de “velhas” referências com as quais decidimos

trabalhar depois do início de um projeto. Para isso, quanto

mais nos desvencilharmos de um entendimento engessado

de língua, mais “testes” nos permitiremos fazer e mais

fluido o texto poderá se tornar ao longo do tempo.

Mais ainda, se pensarmos em um texto bem escrito a

partir da premissa de uma gramática estanque e imutável,

não seremos capazes de perceber o quanto as escolhas

estilísticas estão relacionadas também ao contexto de

produção em que um texto se insere, à persona que se está

consolidando na escrita e ao gênero textual escolhido.

Neste ponto, imagino já estar claro que escrever bem não é

necessariamente sinônimo de escrever fazendo uso da

norma-padrão. Escrever bem pode ser sinônimo de uma

multiplicidade de elementos, dentre os quais destaco aqui

apenas alguns exemplos:

pesquisar com atenção o tópico de interesse;

encontrar as estruturas que atendem ao seu objetivo de

escrita, reescrevê-las, repensá-las, reorganizá-las;

elaborar cuidadosamente quem é o narrador da história;

definir os limites e alcance do seu projeto – num dado

contexto e para uma audiência específica.

Nesse sentido, claro está que para escrever bem é preciso

estudar a língua, sem dúvida; no entanto, o que tenho

tentado mostrar aqui é que estudar língua não é sinônimo de

decorar regras aleatórias ou buscar um refinamento/lógica

rebuscados a que a escrita deverá se submeter.

Fazer essa afirmação não implica ignorar o papel da norma

– papel que, sabemos, é inclusive político. Embora cada vez

mais eu questione esse papel relegado à norma em função

das nefastas consequências de sua defesa em uma sociedade

injusta, desigual e múltipla como a nossa, reconheço a

importância de seu emprego em contextos variados. No

entanto, a defesa de seu uso não deveria apartar do direito à

escrita aqueles que, embora tenham o que dizer, são

desconsiderados e invisibilizados porque não produzem seus

textos a partir dessa norma que se quer única. E insisto, o

emprego da tal norma (qual seria?) não garante um texto

“bem escrito”.

Um bom exemplo pode ser a análise de redações para o

vestibular, recheadas de estruturas decoradas com vistas a

mostrar o que se sabe, o que muitas vezes traz um tom

artificial ao texto, quando do uso excessivo de articuladores

como “em primeiro lugar”, “não obstante”, “destarte”,

“outrossim”, entre tantos outros.

Usá-los não é sinônimo imediato de um texto bem

organizado e coeso. Muitas vezes, no impulso de fazer uso

desses recursos para garantir pontos em um processo

seletivo, as escolhas são feitas sem que se pense de maneira

cuidadosa sobre o texto em si, mas tendo como foco

majoritário – e algumas vezes exclusivo – completar uma

lista de requisitos supostamente requeridos para o bom

desempenho naquele exame. E ainda que possa parecer óbvio

fazer essa escolha, afinal, o objetivo em provas de vestibular

é obter uma boa nota para garantir uma vaga na

universidade, o que muitas vezes se ignora é que um texto

bem organizado não significa necessariamente lançar mão de

inúmeros articuladores para mostrar que se sabe que eles

existem. É preciso saber em que pontos do texto empregálos, se contribuem para a construção do sentido do trecho e

do texto como um todo. É preciso também, como já

mostramos aqui, entender a quem o texto se destina.

Exercício

Neste ponto, quero propor a você mais um exercício.

Pegue lápis e papel (ou então abra um documento em

branco na tela do seu computador). Considere o tema

amplo “medo” e escreva sobre ele por cinco minutos

corridos. Nesse exercício, o objetivo é que você siga

escrevendo sem voltar para revisar o que já está no

papel, ou na  tela. A ideia é trazer o fluxo de

pensamento para o texto, a partir da ideia central

“medo”. Se você preferir, claro, pode escolher outro

mote para sua escrita. O que importa é não deixar o

medo de estar escrevendo “incorretamente” impedir

o fluxo da escrita.

Ao terminar os cinco minutos, não retome a leitura

imediatamente. Deixe o texto “descansar” e volte no

dia seguinte, ou depois de algumas horas. Ao reler o

que produziu, concentre-se primeiro em observar

como as ideias foram articuladas, se o fluxo deve ser

reorganizado para acomodar melhor suas impressões

sobre o tema. Então, verifique se os plurais estão no

lugar (e se tê-los no lugar é seu objetivo), os verbos e

suas regências, e assim por diante. Você pode ter

consigo uma gramática para ajudar nos ajustes que

considerar necessários.

Em seguida, você pode oferecer o texto para leitura

externa, de alguém em quem você confia. Quais

impressões tem essa pessoa sobre o que você

escreveu? Quais sugestões são feitas? Como você vê a

primeira versão do seu texto a partir desses múltiplos

olhares? Se escrever é um processo, eis aqui um

exercício que poderá ajudar você a torná-lo menos

doloroso na sua rotina de escrita. Vamos lá?

3.

As tensões da língua

Meu empenho naõ he mostrar a grande abundancia de

vocabulos que a nossa lingua tem herdado como filha, da

latina como mãy, he sim convencer a sem razaõ daquelles,

que reconhecendo-a por filha legitima nas palavras, a

querem fazer bastarda na Orthografia.

(João de Moraes Madureira Feijó, em seu livro de 1734,

Orthographia, ou arte de escrever, e pronunciar com acerto a

Lingua Portugueza)

Em meados de 2021 um jornalista entrou em contato comigo,

buscando minha apreciação sobre um imbróglio que se

desenrolava no universo literário com o lançamento da nova

edição dos livros da autora Carolina Maria de Jesus. Naquele

ano, as obras da escritora estavam sendo reeditadas, com a

participação de Conceição Evaristo e Vera Eunice de Jesus –

filha de Carolina – como coordenadoras do conselho

editorial. Ambas mulheres negras com forte contato com a

obra da escritora. O conselho era composto ainda por

Amanda Crispim, Fernanda Miranda, Fernanda Felisberto e

Raffaella Fernandez. A equipe editorial decidiu manter o

texto majoritariamente como havia sido escrito,

reconhecendo inclusive mudanças vocabulares e estruturais

no texto de Carolina Maria ao longo do tempo, mudanças

essas derivadas do contato continuado com a escrita e a

literatura, nas distintas fases de vida da escritora e nos

diferentes usos de língua trazidos por ela. Como bem pontua

a nota sobre a edição de Casa de alvenaria, essa escolha não se

deu de maneira aleatória: como escritora autodidata, tendo

passado por apenas dois anos de escolarização formal, aquilo

que muitos pontua(va)mcomo erros é reconhecido como

marca significativa de autoria na produção escrita e na

expressão literária de Carolina Maria de Jesus.[16]

Você pode imaginar, é claro, que dessa postura (bastante

bem explicitada e fundamentada na nota explicativa da

edição) surgiu certa “indignação” e vários questionamentos

sobre a validade dessa escolha nos fóruns públicos do campo

literário e de grandes jornais. Foi nesse contexto que entrou

em contato comigo o jornalista que tentava entender se

havia ali uma pauta. Dos debates públicos advindos muitas

vezes daqueles que se colocam como guardiões do que seria

uma dada língua portuguesa (e a gente poderia se perguntar

logo aqui o que se entende como língua portuguesa nesses

casos), é possível encontrar matérias que se perguntavam se

não seria equivocado manter o texto como ele é quando, em

outros tantos livros, a caneta do editor – e das determinações

dos manuais das editoras – acaba podendo interferir em uma

série de usos linguísticos presentes nos textos escritos e

publicados mundo afora. Por que  com Carolina Maria seria

diferente, por que não se poderia “mexer” no seu texto?[17]

Ora, uma visita rápida à nota da edição poderia já

responder a essas dúvidas e o tema se daria por encerrado

(não, não se daria, que exagero da minha parte, são séculos

de discussões de alguma maneira semelhantes acontecendo

sem fim). Mas, evidentemente, não foi o que aconteceu.

Artigos de opinião e matérias jornalísticas foram produzidos

questionando a escolha. E se trago esse caso neste ponto do

livro é para destacar – e exemplificar – o quanto a escrita, o

texto e a língua são, antes de tudo, uma questão política, um

espaço de tensão de forças, operando a partir de dinâmicas

de poder que atuam inevitavelmente sobre eles. Todos os

dias, desde quando se decidiu que este imenso pedaço de

terra se chamaria Brasil.

Assim, é até redundante afirmar: não é de hoje que essas

tensões se dão. Voltaremos a Carolina Maria de Jesus, mas

antes disso atentemos à citação que trago no início do

capítulo, extraída do livro Orthographia, ou arte de escrever, e

pronunciar com acerto a Lingua Portugueza, escrito por João de

Moraes Madureira Feijó, em 1734, e citado pelo professor

Carlos Alberto Faraco em seu livro História sociopolítica da

língua portuguesa.

[18] O nome do livro de Feijó já nos convida a

pensar nas tensões a que me referi antes: “arte de escrever e

pronunciar com acerto a Lingua Portugueza”. Com acerto. O

livro do autor não é a primeira gramática do português; a

história da primeira gramática nos leva ainda ao século 16.

Mas esse trecho me chama a atenção por questionar usos

ortográficos correntes naquele momento, ao pontuar que se

busca fazer do português “língua bastarda”.

Houve no Brasil muito questionamento sobre a escrita das

palavras: se deviam seguir a lógica etimológica, do latim, ou

seguir a lógica sônica. Essa é uma história comprida, e não é

nosso objetivo discorrer sobre ela,[19] mas interessa mostrar

o quanto, ao longo do tempo, foi sendo questionada – e

imposta – uma dada forma de escrever, em detrimento de

outras que iam surgindo. Buscava-se definir como escrever

“com acerto”.

Podemos viajar ainda para meados do século 19, quando

diferentes autores da literatura brasileira, a partir de sua

visibilidade além-mar, viram suas produções questionadas

em função de suas escolhas linguísticas. Que língua é essa

que usam? O que estão fazendo? Talvez o caso mais

conhecido seja o de José de Alencar, mas há outros tantos

escritores que, interpelados sobre seus usos da língua,

buscavam caracterizar esse nosso português, criando até

mesmo outros nomes para denominá-lo com vistas a nos

distanciar do que seria o português de Portugal. O escritor

Salomé Queiroga, por exemplo, em resposta de 1871 às

críticas portuguesas, disse que escrevia “em linguagem

brasileira” e “em luso-bundo-guarani”.[20]

Estamos em meados de 1800, muito próximos de quando o

Brasil atingiu o que seria a sua independência política oficial.

É claro que isso não significou romper todo tipo de laço com

Portugal, e embora os debates tenham se tornado públicos,

como vimos nos dois exemplos anteriores, não havia

necessariamente um movimento direto de reforma do

português por parte desses escritores. Estava lá, no entanto,

a disputa da língua diante das críticas que sofriam por

escreverem de maneira distinta dos escritores portugueses

da época.

Jornalistas, gramáticos, escritores. Eis os principais

personagens dessas disputas. Com relação aos muitos

jornalistas que discutiram – e discutem – questões de língua

em suas publicações, estamos muitas vezes falando de

formadores de opinião que defendem uma posição

conservadora em relação à língua e, assim, se colocam como

os guardiões de uma dada forma de escrever. São também

aqueles que vão determinar como é que se aborda a questão

nos debates públicos ao longo dos séculos, haja vista os

embates trazidos a público sobre a escrita de José de Alencar,

ainda no século 19, e as críticas às escolhas editoriais com

relação à obra de Carolina Maria de Jesus, no século 21.

Assim, é interessante voltar nosso olhar para outros

períodos da história para conhecer (e reconhecer) que, como

as ondas que vão e vêm, as conversas sobre língua e aquilo

que é permitido em espaços como os da literatura (mas não

só dela) seguem como uma marca registrada da disputa (e

tensão) – tantas vezes conservadora e elitista – em torno dos

entendimentos sobre o que é a escrita e o que é o texto.

Pode parecer que são questões absolutamente apartadas –

a da língua portuguesa desejada na literatura de escritores

brasileiros do século 19 e a da língua portuguesa desejada nos

escritos, por exemplo, de Carolina Maria de Jesus no século

20 (e 21) – e há sem dúvida um sem-fim de diferenças:

estamos falando aqui de relações de raça, de classe e de

gênero que atravessam também o nosso histórico colonial.

No entanto, o imbróglio se vê aproximado quando uma parte

da justificativa da crítica se concentra em torno da questão

do “que língua é essa?”, do que pode ou não ser dito de uma

dada maneira.

Para mim, trazer essa discussão para o centro não implica

sugerir que toda e qualquer pessoa deixe de fazer uso de uma

dada norma em todo e qualquer projeto de escrita. Trata-se

de colocar em perspectiva o fato de que não há apenas uma

maneira – esta, idealizada – de escrever, e de escrever bem.

Quando lançado, o livro Quarto de despejo, de Carolina

Maria de Jesus, ficou entre os mais vendidos, ultrapassando

inclusive Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado. No entanto,

quando fala sobre a autora no livro Literatura e resistência,

Alfredo Bosi dedica a ela apenas um parágrafo.[21] Muitos

anos depois, Benjamin Moser, ao descrever uma imagem em

que aparecem juntas Clarice Lispector e Carolina Maria, disse

que Carolina “parece tensa e fora de lugar, como se alguém

tivesse arrastado a empregada doméstica de Clarice para

dentro do quadro”.[22] No parágrafo, embora o autor pontue

que Carolina Maria de Jesus é a autora do livro Quarto de

despejo, “um angustiante livro de memórias da pobreza

brasileira”,[23] o foco do parágrafo está em comparar a

postura das duas escritoras a partir da sua interpretação

particular da foto e apontar, com isso, o que seria a diferença

entre as duas autoras: Clarice, diferentemente de Carolina,

pareceria “uma estrela de cinema”.[24]

A violência na descrição da imagem foi percebida pelos

leitores e o trecho foi retirado de edições posteriores do livro,

mas o exemplo nos mostra que, mesmo quando não se fala

diretamente de escrita, está se falando de escrita (e de raça e

classe), e do papel que ela ocupa a depender de quem se é, e

de que língua se usa a partir de quem  se é. Língua é

identidade, e a escrita também é um espaço de revelá-la,

reivindicá-la e, por que não dizer, condená-la. Além disso, o

espaço que se dá a escritoras, mesmo que tenham publicado

livros com recorde de vendas, pode variar em função de

razões que ultrapassam o que é o livro em si, mas que têm a

ver com questões de classe, raça e gênero que podem se

“revelar” no texto.

Quando ressurgiu o debate sobre a questão de “corrigir”

ou não os desvios de Carolina Maria de Jesus, um dos

argumentos estava centrado na ideia de que não corrigir seria

“fetichizar” e diminuir a importância do trabalho de

Carolina Maria. No entanto, esse argumento parece ignorar

que o problema não está no português empregado pela

autora em seus livros, mas na maneira como ele é entendido

– e também discutido e lido – dentro de uma lógica

normativa que opera em todos os cantos. A escrita da

escritora, como pontua o conselho editorial na nota da

edição, passa também pela maneira como ela usa os recursos

linguísticos. Excluir e/ou alterar essas formas seria modificar

um elemento que é parte fundamental da escrita de Carolina

Maria de Jesus.

Se as discussões em torno da questão literatura/gramática

se pautassem nos termos propostos por Conceição Evaristo,

escritora dedicada a pensar e trazer características da

oralidade para a escrita (em vez de terem apontado de início

que o que Carolina Maria faz é “cometer erros”), seria

possível construir um entendimento de língua que impediria

a fetichização por essa via. No entanto, bem sabemos, essa

fetichização não acontece “apenas” em função da língua

escrita nos textos de Carolina Maria. A pobreza e negritude

integram sua escrita e essa, durante muito tempo, não foi a

regra nos escritos literários aceitos no cânone. No entanto, é

fundamental lembrar que, antes de – e junto com – Carolina

Maria de Jesus, outras escritoras estavam lá, como Maria

Firmina dos Reis, escritora filha de mãe alforriada,

considerada a primeira romancista negra brasileira, com

Úrsula, seu primeiro livro publicado em 1859,[25] e Zeli de

Oliveira Barbosa, escritora e empregada doméstica, autora do

livro Ilhota: testemunho de uma vida,

[26] que só foi publicado

vinte anos depois do início de sua escrita, em 1993.

Neste ponto, penso, por exemplo, na ideia de

“contralíngua” trazida pela escritora bell hooks em seu livro

Teaching to Transgress: Education as the Practice of Freedom [em

tradução livre, “Ensinando a transgredir: educação como

prática de liberdade”],[27] ao discutir a língua inglesa usada

por pessoas negras descendentes de escravizados. Essa

língua, que mexe naquilo que supostamente não poderia ser

mexido, é a de quem a toma para si para existir no mundo e

se contrapor às lógicas dominantes, colonizadoras e

excludentes.

Assim, cada vez que um jornalista, um crítico literário ou

um membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) delimita

o que é a língua possível na literatura, tem continuidade uma

longa tradição de engessamento do entendimento do que são

língua e escrita, deste ou do outro lado do oceano. Tem

também continuidade um projeto de exclusão e

invisibilização de quem não se encaixa nos moldes do que é

definido como aceitável nesses espaços. O que muitas dessas

figuras formadoras talvez não reconheçam é que elas

mesmas são parte da manutenção do engessamento e da

busca por uma homogeneidade linguística que ignora as

variedades linguísticas, múltiplas, presentes em nossa

língua em função de distintos e inúmeros fatores. Sua

presença também poderá ser notada na escrita, não apenas

na oralidade, e esse acontecimento não diminui o que é a

língua, tampouco o que é o texto ou a literatura.

Exercício

Neste capítulo, falamos bastante sobre a produção de

Carolina Maria de Jesus e sobre as discussões em torno

de sua escrita. Você conhece outros exemplos de

autoras e autores que passam ou passaram por esse

tipo de enfrentamentos na publicação de suas obras?

Se tiver outros exemplos, o exercício aqui está em

buscar contextualizar como são deflagradas as tensões

para esse autor, autora ou autore que você identificou.

Esse tipo de observação a partir do nosso repertório

ajuda a compreender justamente os pontos que

busquei abordar anteriormente ao trazer o exemplo de

Carolina Maria de Jesus.

A oralidade na escrita

Ouvir o que essas tantas mulheres têm a dizer sobre os

distintos desafios da escrita que “foge” à norma é

fundamental para entendermos a força política e social que

emana das produções textuais.

Observe, por exemplo, a questão das marcas de oralidade

na escrita. Quando uma criança chega ao universo escolar,

parte importante do aprendizado da escrita é o

reconhecimento e retirada de marcas de oralidade das

produções textuais para garantir a elas mais clareza e

objetividade. Repetições continuadas de palavras, marcas de

hesitação e continuadores que são comuns à fala, como

“então”, “aí” e “daí”, perdem espaço na modalidade escrita.

A própria segmentação gráfica do texto – assim como o

emprego dos recursos de pontuação – precisa ser aprendida

(e, pasmem!, nem sempre ao longo da história as palavras

foram escritas todas separadamente em um texto, como

vemos hoje, no caso do português). Eis o caminho que nos

leva da modalidade oral à modalidade escrita.[28] Está tudo

bem: por se tratar de modalidades distintas, é importante

reconhecer as características que delimitam as diferenças

entre elas. No entanto, isso não significa que, a partir daí,

toda e qualquer marca de oralidade deva ser banida das

diferentes formas escritas, inclusive (e especialmente) na

literatura.

Vejamos, por exemplo, o caso da escritora Conceição

Evaristo. Em inúmeras ocasiões a autora reivindica o

importante papel da oralidade na sua produção escrita.[29]

Para pontuar apenas um exemplo concreto, no conto “A

gente combinamos de não morrer”, em seu livro Olhos

d’água, ela nos mostra justamente a acolhida de uma marca

da oralidade no texto escrito. “Curiosamente”, ao sair do

livro e ganhar inúmeras citações em diferentes espaços, a

escolha estilística da autora pela concordância verbal em “a

gente combinamos”, corrente na linguagem falada no Brasil,

foi, em diferentes ocasiões, alterada na busca por atender à

norma-padrão. Houve ainda casos em que o verbo

“combinamos” foi usado entre aspas.[30] Ainda que os

estudos linguísticos revelem que esse emprego é corrente em

diferentes variedades do português brasileiro, há aqueles que

não mantêm a escolha da autora, alterando-a para a forma

supostamente preconizada para a escrita.

Também Isabel Allende, em entrevista mencionada

anteriormente neste livro, fala da importância da oralidade

para sua escrita. Ainda que a autora reconheça as diferentes

formas que emprega na produção textual (em relação à

produção oral), ela espera que seus textos sejam lidos como

se fossem parte de uma conversa entre amigas em um

ambiente informal. Observe, com isso, o quanto a oralidade

tem características que as autoras procuram reproduzir em

seus textos para garantir os efeitos de sentido desejados.

Um dos “problemas” das sociedades centradas na escrita,

como esta de que fazemos parte, está na associação direta

entre a escrita e a intelectualidade, derivada do

entendimento da relação entre a escrita e a normatividade. É

parte de uma lógica recheada de preconceitos o

entendimento de que “só pensa bem quem escreve bem”,

uma máxima que vemos circular quando nas eleições, por

exemplo, há quem questione o direito ao voto de quem não é

alfabetizado. Esse tipo de raciocínio, reforço, tão comum às

sociedades centradas na escrita, tem como resultado uma

dinâmica de disseminação de preconceitos marcadora da

desigualdade em que vivemos: as práticas orais não são

reconhecidas como veiculadoras significativas de

conhecimento e sentido; essa veiculação estaria relegada

exclusivamente à escrita. No entanto, não se trata de

qualquer escrita, mas daquela vinculada a uma norma

retratada, como vimos anteriormente, como um conjunto de

regras altamente idealizado, sem correspondência na língua

em uso no momento presente da história. A língua falada

caminha em passos mais rápidos que a escrita, e há alguns

gramáticos que fazem questão de marcar um passo bastante

lento, como reforço da diferença entre os que “bem

escrevem” e os que não alcançaram essa competência.

Porém, é importante dizer, nenhum de nós faz uso dessa

norma-padrão de maneira sistemática, atendendo a todo o

seu conjunto de regras. Estamos o tempo todo – mesmo

aqueles considerados parte de uma elite cultural –

“escorregando” aqui e ali. Textos jornalísticos são um bom

exemplo. É através da revisão e edição que os ajustes para o

atendimento à tal norma se concretizam. Ou não. É comum

encontrarmos “desvios” ao padrão em textos jornalísticos, o

que nos mostra, uma vez mais, a fragilidade da tentativa de

“controlar” a língua mesmo em ambientes mais

monitorados.

Exercício

Aqui, proponho mais um exercício de leitura e

observação: em que gêneros textuais você encontra

formas mais próximas da oralidade? Quais formas

você encontra mais corriqueiramente? Faça uma lista

de até cinco gêneros, se conseguir.

O feminino genérico

Eu me lembro de um relato da linguista, professora e

pesquisadora Carmen Caldas-Coulthard. Ao submeter um de

seus livros para publicação em uma editora de São Paulo,

teve sua proposta negada. Na ocasião, a autora optou por

fazer uso do feminino genérico, alternativa ao uso

do masculino genérico. Em uma das respostas do editor, leu

que a escolha poderia resultar em “enunciados difíceis de

aceitar, como se os homens tivessem deixado de existir”.[31]

Como a própria autora aponta, o editor não parece ter

questionado nem por um instante o uso continuado do

masculino genérico, mas se incomodou com o uso do

feminino.

Para que fique claro do que estamos falando: o masculino

genérico corresponde ao uso da forma masculina dos

substantivos para denotar, de maneira genérica, tanto o

masculino quanto o feminino. De acordo com essa regra, em

uma frase como “os membros da comunidade decidiram

fazer a festa junina no dia 27 de junho”, “os membros da

comunidade” denotaria quaisquer pessoas, não apenas

membros homens. A escolha da pesquisadora brasileira,

derivada da consciência sobre o caráter político da

linguagem, parece ter tido importantes implicações em

função justamente de buscar subverter a lógica corrente. Por

que não seria possível? Por que não se pode “trair” uma

norma que, durante tanto tempo, foi a única a perdurar a

partir de entendimentos de uma sociedade em que o homem

ocupava o lugar central (e único)? Além disso, por que não

questionar a norma e compreender de que lugar ela surge?

Há alguns anos tive contato com um texto da linguista

americana Ann Bodine, em que ela investiga os usos do

masculino genérico na história da gramática da língua

inglesa: o que ela encontra são inúmeros trechos de autores,

ao longo da história, que justificam o uso do masculino

genérico não em função de alguma questão intrínseca à

língua, mas da observação dos autores de que o homem seria

a figura mais importante naquele momento da história. Sim,

é isso mesmo que você leu. Diferentes gramáticos

defendiam, de acordo com a pesquisa de Bodine, que os

homens eram mais importantes e, por isso, se deveria usar o

masculino na generalização de homens e mulheres.

No português brasileiro, a explicação corrente para o uso

do masculino genérico vem também sendo questionada a

partir de estudos que ponderam sobre a recursividade da

explicação.[32] Trocando em miúdos: uma das correntes

explicativas mais tradicionais considera que o masculino, em

português, seria uma forma “não marcada”, ou seja, as

formas masculinas não seriam marcadas por gênero. Quase

uma pegada Adão e Eva da linguagem: o gênero se

manifestaria apenas nas formas femininas, com terminação

em -a. Por isso, o masculino seria usado como genérico. A

partir dessa explicação, a recursividade: o masculino é nãomarcado e por isso é o genérico, e o masculino é o genérico

porque é o não-marcado. No entanto, perspectivas que se

dedicam a apontar os problemas do uso do masculino

genérico têm justamente buscado mostrar o quanto,

historicamente, há muito do social envolvido no que se quer

apenas “gramatical”. É o caso, por exemplo, do estudo de

Ann Bodine sobre o inglês, apresentado anteriormente.

Além disso, uma série de estudos tem mostrado que a

costumeira frase “ao usar o masculino genérico entende-se

que está se falando de todos” não necessariamente procede:

experimentos[33] têm apontado que o masculino genérico é

interpretado apenas como masculino – ou prioritariamente

como masculino – em diferentes culturas e línguas. Essa é

uma discussão acalorada, para a qual não pretendemos aqui

trazer uma resposta final. Mas interessa mostrar o quanto

verdades que parecem sólidas e estabelecidas, na verdade,

estão passíveis de questionamentos, reflexões e, sem dúvida,

contraposições.

Assim, o que há de tão estático na escrita formal que a

impediria de acolher essas “novas” escolhas? Sabemos que a

resposta aqui não está no texto em si, como uma entidade

“natural”, mas na maneira como se determina, uma vez

mais, o que pode ou não estar na escrita a partir da disputa

de forças variadas. Não se trata de uma característica

intrínseca à produção textual, mas de uma lógica defendida –

e monitorada – para a escrita.

Insisto, com isso, na pergunta: por que não seria possível

subverter as dinâmicas da escrita estabelecidas por regras

que vêm sendo estudadas e, a partir disso, questionadas?

Escrita, como eu disse anteriormente, é também um lugar de

identidade e, assim como os diferentes traços de oralidade

podem ser trazidos para a escrita para abarcar essas

identidades, a escolha de formas como o feminino genérico

também pode sê-lo.

Exercício

Você, aí do outro lado, já se deparou com textos

escritos no feminino genérico? Em suas próximas

leituras, proponho um exercício: procure identificar os

casos em que o feminino genérico é empregado, em

especial no jornalismo.

Quer uma dica? Curiosamente, embora o masculino

genérico costume ser a marca dos textos jornalísticos

(afinal de contas, é a norma!), ao mencionar

profissões como a enfermagem, é provável que você

encontre o feminino genérico, não o masculino.

Então, pergunte-se: por quê? Para além desses

exemplos, em quais outros textos você se depara com

o feminino genérico e qual o papel dele no texto?

A linguagem não binária

O ano é 2023. Eu olho para pessoas conversando na mesa ao

lado, na cafeteria para a qual decidi me deslocar para seguir a

escrita deste texto, justo nesta seção, em que falarei sobre a

linguagem não binária, também conhecida como linguagem

neutra. Enquanto olho ao redor, penso na melhor maneira de

apresentar esse tema na relação que ele estabelece com a

norma e o texto.

Minha vontade primeira é dizer “é um tema delicado,

menina, você precisa ver o rebuliço que as pessoas fazem na

internet para falar sobre ele. Tem deputado e vereador até

tentando impedir (ou já impedindo) discutir a questão em

É

sala de aula”. É então que lembro que neste livro não há

deputado ou vereador tacanho que mande e, por isso, posso

falar dessa tensão que reverbera também na língua e no

texto.

A linguagem não binária corresponde a um conjunto

variado de formas que se desloca da binariedade de gênero

feminino-masculino, a partir de formas outras empregadas

quando se está falando de pessoas. Atenção: pessoas. O

objetivo é incluir na língua formas que sejam mais

agregadoras a quem não se identifica a partir da lógica

binária feminino-masculino. Trata-se de um sistema ainda

em desenvolvimento; há algumas possibilidades tanto de

pronomes quanto de terminações de palavras sendo usadas

no português brasileiro. Em 2023, vemos circulando “-x”, “-

@” e “-e” no final de substantivos e adjetivos. Assim, junto

ao “bem-vindas” e “bem-vindos”, vem sendo incluídas as

formas “bem-vindxs”, “bem-vind@s” e “bem-vindes”.

Como a língua é sinônimo de continuada transformação,

muitas têm sido as reivindicações para que se use apenas a

forma “bem-vindes” (e não mais “bem-vindxs” ou “bemvind@s”), o que se observa cada vez mais em diferentes

gêneros textuais: tanto naqueles mais formais, como

campanhas publicitárias e textos acadêmicos, quanto

naqueles mais informais, como conversas em redes sociais.

Um sem-fim de afirmações equivocadas sobre o tema vêm

sendo proferidas em diversos espectros políticos e é preciso

combatê-las. As formas não binárias não substituem ou

negam os usos correntes do feminino ou masculino; não

negam, na língua ou fora dela, a existência das

manifestações de gênero dentro da binariedade, ou seja,

mulheres e homens que se identificam no espectro

feminino-masculino continuam fazendo uso das formas

linguísticas que representam essa lógica. O que se tem, na

verdade, é a tentativa de abarcar na língua as identidades que

não se veem acolhidas pelas formas presentes. Ou seja,

aquela piadinha em que se usa o neutro em toda e qualquer

palavra, mesmo naquelas que não têm nenhuma relação com

seres humanos, além de boba, não faz sequer sentido.

Ao mesmo tempo, é importante entender os desafios de

seu uso em línguas como o português, em que o gênero “se

espalha” em substantivos, pronomes, adjetivos, artigos. Isso

significa que é preciso propor um conjunto de mudanças em

função das características da nossa língua. Não sabemos

quais dessas formas se manterão, ou mesmo se se manterão.

O que temos, no presente, é o uso variado em diferentes

contextos, inclusive na tradução de livros escritos em outras

línguas e que fazem, em suas línguas de origem, o uso de

formas não binárias. Ou seja, trata-se de um fenômeno

mundial: falantes do inglês, alemão, espanhol e mandarim –

para citar apenas alguns exemplos – vêm propondo essas

inclusões em suas línguas.

Há uma série de complexidades em seu uso que nos

impedem, como linguistas, de determinar se elas se

consolidarão por completo nas línguas e de que forma o

farão. As formas em que a declinação vem acontecendo com

mais regularidade são os substantivos. Caso você se depare

com um texto que faz uso da forma “menine”, você já sabe: é

uma forma não binária, em disputa no campo das tensões da

língua e também, claro, da sociedade. Em um mundo em que

se invisibiliza e violenta pessoas de identidades trans, a

busca pela visibilidade na língua é uma demanda

significativa (mas não a única).

Se quiser fazer uso do recurso em contextos de escrita

formal, você precisará tomar uma série de decisões

linguísticas para manter a unidade do seu texto.[34] É aqui

que está o desafio: por se tratar de formas em variação, há

diferentes possibilidades de uso, porque ainda não há uma

escolha homogênea. Além disso, como apontei

anteriormente, o gênero em português não fica restrito aos

substantivos, assim a flexão nas diferentes palavras pode ser

complexa porque ainda se está a pensar como fazê-lo. No

entanto, em razão da maior presença de pessoas não binárias

em círculos variados de escrita, trazendo suas histórias,

essas formas começam a circular mais, o que também

contribuirá para que diferentes soluções e sugestões sejam

trazidas e acolhidas.

É o caso da discussão que vem sendo promovida em grupos

de tradução e escrita que procuram se afastar da lógica

binária feminino-masculino para além da linguagem não

binária na produção textual. Em 2023, por exemplo, foi

traduzido para o português o livro O desafio dos semideuses,

escrito por uma pessoa não binária, Aiden Thomas. No livro,

foi preciso trazer para a estrutura da língua portuguesa a

correspondência daquilo que foi proposto pele autore[35] em

sua escrita em inglês. E aqui temos uma questão linguística

interessante: em inglês os substantivos não declinam em

gênero; assim, quem traduz e edita em línguas que têm

flexão de gênero em nomes (como em português) ou verbos

(como em alguns casos no russo) precisa buscar alternativas

de como lidar com essas estruturas na tradução. Conforme

essas ocorrências vão surgindo, os espaços que têm papel na

“regulação” indireta da língua, como as editoras, vão

buscando os caminhos para abarcar o emprego das formas

em textos escritos. É importante, portanto, no planejamento

do seu texto, caso pretenda fazer uso desses recursos, ter

uma conversa com quem supervisiona e acompanha seu

trabalho, para garantir que há um entendimento dos

envolvidos na escrita do projeto fazendo uso das diferentes

formas.

Exercício

Agora que você sabe como se estruturam as formas

não binárias, proponho aqui também um exercício de

observação e escrita. Primeiro, busque em textos

variados como se dá o emprego dessas formas.

Observe como você as utiliza: a linguagem nãobinária surge como alternativa ao masculino genérico?

Apenas em palavras específicas? Quais pronomes

estão sendo utilizados e em que contexto? Faça uma

lista para entender as manifestações concretas desses

usos e defina se há um padrão. Como você construiria

seu texto abarcando essas formas? Em seguida,

escreva um parágrafo fazendo uso delas, a partir dos

exemplos de uso que você analisou em sua pesquisa.

Para orientar melhor o exercício, você pode acessar

um dos inúmeros manuais com orientações para o uso

da linguagem não binária.[36] Como você construiu seu

texto abarcando essas formas?

Neste capítulo, eu me concentrei em mostrar algumas das

tantas tensões que podemos encontrar na língua. De maneira

mais ampla, trouxe o aspecto da oralidade, presente na

escrita de tantas autoras e autores mundo afora, mas trouxe

também dois exemplos da discussão de gênero nas línguas

que vem sendo trazida para os textos escritos já há vários

anos.

Esse é um debate longo, para o qual trouxe apenas alguns

elementos na tentativa de ilustrar o quanto a escrita não é

homogênea e o quanto temos um longo caminho a percorrer

para que leitores e críticos não fiquem de boca aberta perante

as mudanças que se manifestam explicitamente diante de

seus olhos em suas leituras.

Considerando as diferentes dinâmicas de opressão que se

manifestam também na língua, conhecer movimentos que

promovem mudanças variadas em textos escritos nos

permite, uma vez mais, entender que a língua e o texto

mudam. Isso não implica afirmar que tudo no texto muda,

não é isso que está em questão. Muitas vezes as mudanças

acontecem aos poucos, ao longo do tempo, como também

vimos aqui. Indivíduos e grupos que escrevem na tentativa

de se desvincular da norma têm de lidar com essa visão ainda

hegemônica de língua como algo estático e predeterminado

como um todo. Em diferentes circunstâncias, o que se vê são

respostas que oprimem e disseminam violência e

preconceito. Aqueles que têm esse tipo de postura ignoram

que muitas das regras às quais se apegam fortemente hoje

foram, no passado, entendidas como desvios da língua. Aqui,

deixo um recado: língua é mudança, e escrita também o é,

não nos esqueçamos disso.

4.

Caixinha de ferramentas: alguns recursos

essenciais da língua

“(…) na minha cabeça vou deslocando as vírgulas, trocando

um verbo por outro, afinando um adjetivo. Muitas vezes

escrevo mentalmente a frase perfeita e volta e meia, se não a

anoto a tempo, ela me escapa da memória.”

Rosa Montero, A louca da casa

Pode parecer contraditório trazer um capítulo em que vai se

apresentar e discutir uma série de recursos linguísticos da

composição do texto, tendo em vista que falamos tanto sobre

a questão da norma e do quanto ela se impõe tantas vezes

negativamente nos textos. Mas é justamente por nos vermos

“confinados” a uma lógica tão normativa que é preciso falar

sobre os inúmeros recursos que nos estão disponíveis no ato

de escrever.

Há uma distinção importante entre 1) reconhecer os usos

que se faz no presente e a relevância deles para um projeto

de escrita; e 2) considerar a norma idealizada e distante da

concretude dos textos como a única possibilidade de escrita.

Neste livro, a proposta fundamental é reconhecer os diversos

caminhos que nos levam à escrita e como esses caminhos

podem se dar de maneiras muito distintas, acessando

“normas” bastante diversas, relacionadas a cada projeto

único de dizer. É como nos descreve Rosa Montero: trata-se

da “afinação” do uso de uma gama ampla de recursos.

Pensemos, por exemplo, em “mas”, “porém”, “todavia”,

“contudo”, “no entanto”. É uma lista de conjunções que eu

decorei ainda na escola. Com você também foi assim? Nunca

mais as esqueci. A princípio, o objetivo era poder conhecer a

diversidade de recursos disponíveis para construções

adversativas, mas a “decoreba” veio da necessidade de ter o

meu conhecimento sobre as conjunções avaliado, posto à

prova. Também não me esqueci de “se eu vou A e volto DA,

crase há; se eu vou A e volto DE, crase pra quê?”. Aprender as

regras de uso da crase foi um verdadeiro tormento. E quando

penso nas redações que eu escrevia na escola, sempre me

vem à mente a avaliação. A escrita, inúmeras vezes, tinha

apenas um destino: a nota. A professora era leitora e

avaliadora da norma ao mesmo tempo, muitas vezes apenas

leitora-avaliadora, porque não havia tempo hábil para seguir

explorando as possibilidades de reorganização textual em

meio às inúmeras atividades requeridas para que

aprendêssemos tudo de que precisávamos para seguir em

frente no ano escolar.

Já adulta, as avaliações podem seguir sendo parte da

escrita, seja porque você a utiliza no trabalho e pode ser

julgada pelas escolhas que faz, seja porque escreve

mensagens nas redes sociais que são “corrigidas” até mesmo

por completos desconhecidos. Quando temos nossa escrita

vista em termos normativos e, com isso, tão avaliativos,

pode ser que nos sintamos menos compelidas a desbravar o

universo do escrever, testar formatos e recursos.

Em vez de pensar – e produzir – textos a partir da lógica

avaliativa e normativa, em que é preciso encaixar este e

aquele elemento para mostrar o que se sabe, prefiro

entendê-los a partir de seus movimentos:[37] ora

apresentamos um novo elemento, ora revisitamos algo que

foi dito previamente. Nesse vaivém, temos a possibilidade de

contrapor, adicionar, equivaler ideias, entre outras tantas

formas de articulação de informações que vão se

equilibrando em um texto.

Tais movimentos se dão com o uso de recursos linguísticos

que serão escolhidos a partir do nosso conhecimento sobre

eles num dado momento da nossa trajetória e do projeto de

texto que nos propusermos a desenvolver. Escreveremos um

conto? Um relatório técnico? Uma poesia? Apresentaremos

diferentes argumentos em uma sequência que, juntos, serão

usados para provar um ponto? Quem escreve e assina o texto,

como se apresenta e quais estruturas sintáticas escolhe

empregar? São inúmeros os aspectos que podem ser

abordados quando pensamos nos recursos coesivos e nos

aspectos atrelados à coerência de um texto. Não tenho aqui a

pretensão de falar sobre todos eles, o que seria impossível no

espaço proposto para esta nossa conversa, mas trago a seguir

alguns exemplos que podem nos ajudar a pensar (e

desbravar) nossa escrita. Trago trechos de textos de

diferentes formatos, ficcionais e não ficcionais, justamente

para mostrar que cada texto demanda de nós a observação de

como usamos os recursos todos que nos estão disponíveis.

“Como é que chama o nome disso?”[38]

É possível que você também se lembre: na escola, quando um

tema era definido para a escrita – digamos, “poluição no

Brasil” –, um grande desafio se avizinhava: como falar sobre

“poluição no Brasil” sem repetir, o tempo todo, a palavra

“poluição”? Talvez uma das primeiras lições de quando se

estuda escrita para o vestibular seja justamente evitar a

repetição de vocabulário para mostrar que se tem um bom

conhecimento das palavras do dicionário. Então, um nome

deve ser substituído por outros, seus sinônimos, ou seja,

palavras que teriam sentido semelhante. Foco no

“semelhante”: há sempre outros sentidos agregados nas

palavras que vamos empregando no caminho.

O uso dos sinônimos contribui para o movimento do texto:

depois de uma primeira menção a um nome que nos

apresenta um dado tema, os sinônimos nos permitem voltar

ao que foi trazido anteriormente, com formas que vão, ainda,

acrescentar nuances de sentido. Da mesma maneira, os

pronomes também podem cumprir esse papel de retomada

em diferentes momentos e nós, muitas vezes, fazemos uso

desses recursos sem sequer percebermos. O problema está

em quando nos concentramos na preocupação com a tal

“repetição” e acabamos por tornar o texto vago ao tentar

desviar o tempo todo da palavra que, supostamente, não

deve ser repetida, na busca por sempre inovar em uma nova

menção a ela. Assim, na escrita, é preciso observar a maneira

como você está se referindo a elementos importantes que já

foram mencionados anteriormente. Como estão sendo

resgatados? Qual a conexão de sentido entre as palavras que

estão sendo empregadas?

Além disso, é fundamental ter em vista que a escolha dos

nomes para tratar de um assunto sustenta a lógica

argumentativa dos textos (no caso de um texto não ficcional

– jornalístico, por exemplo), ou a caracterização de

personagens (no caso de um conto ou romance). Eu gosto de

um breve exemplo comparativo que conheci no livro A coesão

textual, escrito pela professora Ingedore Koch.[39] As

sentenças são:

1. Reagan perdeu a batalha no Congresso. O presidente dos

Estados Unidos vem sofrendo sucessivas derrotas

políticas.

2. Reagan perdeu a batalha no Congresso. O cowboy do

faroeste americano vem sofrendo sucessivas derrotas

políticas.

Para entender a implicação das diferentes escolhas para o

sentido das sentenças, é importante saber que Ronald

Reagan foi presidente dos Estados Unidos, mas, antes disso,

foi ator de cinema. Nos trechos apresentados, o movimento

de volta a uma ideia expressa anteriormente é feito a partir

de escolhas distintas: em 1, temos Reagan referenciado como

“presidente dos Estados Unidos”; em 2, como “cowboy do

faroeste americano”. Há uma diferença significativa de

sentido quando se escolhe chamá-lo de “presidente” ou de

“cowboy” em um trecho que se dedica a apresentar sua

atuação como presidente, informando que ele “perdeu a

batalha no Congresso”. É possível que o uso de “cowboy”

seja feito, por exemplo, para ironizar – e diminuir – a

posição ocupada pelo presidente ao referenciá-lo como um

dos personagens que interpretou no cinema. Uma escolha

dessa natureza faz parte do desenvolvimento do projeto de

texto de quem escreve: ao falar sobre as conquistas e/ou

falhas de um governo, como se escolhe apresentar seu

principal representante?

Pense, por exemplo, no conhecido editorial do Estadão

“Uma escolha muito difícil”,[40] sobre o segundo turno das

eleições de 2018, publicado em outubro de 2017. Ao buscar

retratar características profissionais e planos de governo dos

dois candidatos à presidência naquele momento, Fernando

Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (à época, PSL), o jornal chama

Bolsonaro de “apologista da ditadura”, “ex-capitão” e “ele”,

enquanto chama Haddad de “preposto de um presidiário”,

“porta-voz daquele presidiário” e “um regra-três”. Aqui é

interessante pensar no peso que se dá, na nossa sociedade,

às informações trazidas por esses nomes escolhidos. “Excapitão” faz referência ao cargo que Bolsonaro já ocupou,

enquanto não se faz nenhuma menção à profissão de

Haddad. O candidato de esquerda é constantemente colocado

como coadjuvante, “preposto”, “porta-voz” ou “regratrês”, e Lula, ex-presidente do país, é referenciado apenas

como “presidiário”. Ainda que Bolsonaro seja chamado de

“apologista da ditadura”, outras informações sobre essa

relação não são repetidas ou reforçadas. No texto, claro,

outros elementos são importantes, mas é interessante

pensar como se escolhe nomear e referenciar os

protagonistas do “embate” político.

O parágrafo que começa a apresentar o que seria o plano de

governo de Bolsonaro é introduzido por “no caso de

Bolsonaro” e, em seguida, são trazidas as vagas informações

sobre o possível plano, com destaque para a apresentação de

Paulo Guedes, economista, como assessor do candidato.

Segue um parágrafo de destaque a Paulo Guedes:

Mesmo Paulo Guedes, porém, foi bastante vago sobre os

planos de governo, que mencionam genericamente um feroz

plano de privatizações e a redução do tamanho do Estado.

Quando Paulo Guedes inadvertidamente citou a possibilidade

de ressuscitar a CPMF – o famigerado imposto do cheque –,

foi prontamente desautorizado por Bolsonaro, que lhe

ordenou silêncio absoluto até o final da campanha.[41]

Para entender a centralidade de Guedes no texto, é

importante reconhecer a importância dada pelo jornal ao

aspecto econômico liberal, com o qual Paulo Guedes parecia

se afiliar.

No caso de Haddad, o parágrafo que introduz a

apresentação do que seria o plano de seu governo começa por

“Já as propostas do campo lulopetista”, sem apresentação do

nome do candidato, mas sim do “campo lulopetista” ao qual

ele se afiliaria, com destaque para Lula, que teria sido

candidato caso não tivesse sido preso. Nesse ponto do texto o

candidato é chamado de “regra-três”, uma maneira de

apontá-lo como coadjuvante da própria campanha.

Já as propostas do campo lulopetista são bem conhecidas de

todos, pois foram essas ideias que lograram mergulhar o País

numa profunda crise econômica, política e moral. Como não

pôde se candidatar pela sexta vez à Presidência, por ter sido

pilhado em grossas malfeitorias com dinheiro público, Lula

da Silva viu-se obrigado a encontrar um regra-três. A escolha

recaiu sobre Fernando Haddad, que docilmente cumpre o

papel de porta-voz daquele presidiário, num aviltamento

grosseiro do processo eleitoral. Todos os movimentos da

campanha são planejados de dentro da cela de Lula da Silva

na Polícia Federal em Curitiba – e até o programa de governo

apresentado por Haddad se chama ‘Programa Lula’.[42]

A escolha dos fatos a destacar sobre as propostas e seus

protagonistas, a ordem em que as informações aparecem, os

verbos e advérbios também constroem o sentido e são

escolhidos a dedo para compor o texto. Aliadas a esses

recursos, as formas de nomeação dos candidatos são

importantes marcadores para levar o leitor a pensar qual

seria o candidato “menos pior”[43] para assumir a

presidência. Tais escolhas ajudam a apontar não só o

caminho argumentativo traçado no texto como também, e

principalmente, a postura ideológica do jornal ante o cenário

discutido no editorial.

Da mesma maneira, em um texto ficcional, a escolha de

como se referir a uma personagem pode mostrar, por

exemplo, a perspectiva que o narrador (ou uma outra

personagem) quer imprimir sobre ela. Claro, essa escolha

recai não apenas sobre pessoas, mas sobre quaisquer seres

animados ou inanimados a que nos referimos num texto.

Vejamos, por exemplo, um breve trecho do livro A palavra que

resta, do escritor Stênio Gardel:

Uma carta inteira. Uma palavra seguindo a outra, quantas

palavras? Mandar carta para uma pessoa que não sabia ler, só

sendo. A ponta do lápis pairou acima da linha. O próximo

nome tinha escrito a carta cinquenta e dois anos antes. Ao

lado do caderno, o envelope encruado, sempre fechado.

Raimundo não deixou ninguém ler e envelheceu com o desejo

de saber o que ela diz crescendo dentro dele. Feto idoso,

rebento tardio. A carta guardava uma vida inteira.[44]

Esse trecho aparece logo no início do livro, quando nos é

apresentada a carta que Raimundo recebeu e não leu.

“Carta” é referida de diferentes maneiras, inclusive como

“carta”. Vejamos: “uma carta inteira”, “carta”, “a carta”,

“ela”, “feto idoso”, “rebento tardio”, “a carta”. Poderíamos

indicar ainda “o envelope encruado”, que nos remete

também à carta.

Mas eu gostaria de me concentrar nos elementos “feto

idoso” e “rebento tardio”. Observe que “feto” e “rebento”

não são palavras que nos levam diretamente a pensar em

“carta”, mas a sequência narrativa nos faz compreender que

se trata dela. O desejo de saber o que ela diz “cresce” dentro

dele, feito um “feto idoso”, um “rebento tardio”. A analogia

é marcante e está conectada ao que vem em seguida, quando

o narrador diz que a carta guarda “uma vida inteira”. A vida,

o feto, o rebento, a carta. Os movimentos de idas e vindas do

texto. Tais associações são construídas com o suporte das

escolhas nominais que vão se consolidando pelo caminho.

Por isso, fórmulas definidas de escrita não são

necessariamente úteis. Não é preciso que as relações entre

partes de um texto sejam óbvias: importam as conexões que

vão se estabelecendo pelo caminho.

A citação pode nos ajudar ainda a pensar sobre a questão

da repetição, que mencionei no início do capítulo.

Questionada em manuais de escrita, seu emprego não deve

ser simplesmente condenado. É preciso entender seus usos

nos diferentes gêneros textuais e os efeitos de sentido que

carregam. Neste trecho, a palavra “carta” aparece em vários

momentos, sem que haja qualquer prejuízo na construção do

projeto. Ao contrário: em combinação com as escolhas das

estruturas sintáticas, elas dão corpo ao texto. No início do

parágrafo, por exemplo, com uma sentença composta apenas

pela estrutura nominal “uma carta inteira”, temos o anúncio

do objeto, que pode trazer um tom de suspense, de tensão.

Em seguida, uma sentença que remete à oralidade traduzida

em pensamento “mandar carta para uma pessoa que sabia

ler, só sendo”, como quem reclama da atitude de quem a

enviou. Em seguida, surge “a carta”, que posteriormente não

será repetida pelo uso da elipse em “Raimundo não deixou

ninguém ler [a carta]” e vai aparecer uma vez mais no final

do parágrafo em “a carta guardava uma vida inteira”. São

todas menções que vão se refazendo e reconstruindo à

medida que outros elementos vão se agregando a elas. A

É

repetição dá o compasso da narrativa no trecho. É uma marca

do ritmo imposto para mostrar a importância dela.

Quando trago aqui exemplos do processo de escolhas

referenciais num texto, ou seja, de como se vai chamar algo a

que nos referimos na escrita, é importante lembrar uma vez

mais que estamos falando de movimentos de idas e vindas.

Esses movimentos nos permitem repetir o uso de um mesmo

termo e causar, com isso, diferentes impressões. Também

nos permitem escolher novos termos, como também

discutimos aqui, e acrescentar sentidos que são importantes

para o entendimento do tratamento que se escolheu dar aos

temas discutidos. Não há uma fórmula de como proceder.

Tudo dependerá da sua intenção, do projeto que está

conduzindo, do gênero textual escolhido e dos

encadeamentos que você vai construindo ao longo da escrita.

Observe, com isso, que não se trata simplesmente de buscar

sinônimos, como se fossem meros “substitutos” de uma

palavra específica, para garantir que não haverá repetição

demasiada no texto. Trata-se também (e não só) de pensar

qual impressão se pretende passar a partir dessas escolhas,

qual o sentido veiculado pela cadeia nominal consolidada no

texto.

Exercício

Agora que trouxemos uma série de exemplos, que tal

partir para a observação da maneira como esses

encadeamentos se dão em textos que você lê no

cotidiano?

Escolha um texto de sua preferência e faça uma

leitura atenta em busca dos substantivos e pronomes.

Observe também os momentos em que os termos

ficam apenas subentendidos, como no caso das elipses

(quando um termo ou estrutura é suprimido para não

ser repetido). Como eles se articulam na organização

do sentido do tema em destaque no texto?

“Foi morta”?: o lugar da voz passiva nos textos

Já ouviu falar da voz passiva? É um recurso bastante utilizado

pelos jornais. Hoje mesmo, enquanto escrevo este livro,

visitei um portal de notícias e lá estava uma manchete

dizendo assim: “Com placar de 3 a 1 contra Bolsonaro,

julgamento no TSE é suspenso”.[45] Aqui, temos a estrutura

verbal de voz passiva “é suspenso” (verbo ser + verbo no

particípio), que faz com que “julgamento” seja colocado

como o sujeito dessa sentença, deixando em destaque o que

foi suspenso, em vez de quem suspendeu o julgamento. Como

eu disse, é um recurso comum no jornalismo. Costuma visar

à objetividade e à neutralidade, o que nem sempre é possível

atingir.

Seu uso vem sendo questionado justamente por trazer

para o centro quem sofreu uma ação, deixando de fora do

foco de atenção quem a promoveu. No caso da sentença

trazida no parágrafo anterior, essa questão não parece ser

crucial. Contextualizo: enquanto escrevo o livro, acontece no

Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o julgamento de uma ação

que acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro de abuso de poder e

uso indevido dos meios de comunicação. Todos os dias vêm

sendo veiculadas informações sobre o julgamento, e as

matérias relacionadas costumam vir em grupo nos portais de

notícia. A suspensão do julgamento é parte do processo e já

aconteceu em outro momento na mesma semana. Assim, o

jornal escolheu não focar em quem suspendeu o julgamento,

mas no que foi suspenso, por se tratar de um procedimento

corriqueiro do tribunal.

No entanto, o uso da voz passiva pode ter um impacto

bastante diferente quando se está tratando de notícias de

violência. Vejamos, por exemplo, como ela funciona em

casos de feminicídio,[46] em que ganham destaque a ação e a

pessoa contra quem a ação foi cometida, mas não aquele que,

possivelmente, a cometeu. Aqui, o “possivelmente” é

importante porque uma das premissas de um jornal está em

não condenar quem é, a princípio, inocente. O problema se

revela quando, nessa tentativa, acaba-se por ignorar o

agente, invisibilizando o possível responsável pelo ocorrido.

Um exemplo: “Mulher é morta a facadas dentro da própria

casa em Araruama, RJ; ex-marido é o principal suspeito”.[47]

Temos na manchete a estrutura passiva “é morta”,

acompanhada, na mesma sentença, de algumas informações

sobre o ocorrido, como “dentro da própria casa em

Araruama, RJ”. “Mulher” tem o destaque na oração, trazida

como sujeito, embora não tenha cometido a ação – ela, na

verdade, sofreu a violência. O ex-marido, principal suspeito,

aparece apenas na segunda oração. Sentenças que se

concentram na vítima, como a apresentada, são muito

comuns no noticiário sobre violência contra a mulher. Em

muitos casos, o possível agressor sequer é mencionado.

Costumeiramente se juntam à estrutura da voz passiva

imagens da mulher, o que reforça o foco nela, e não em quem

cometeu a agressão.

É comum que se diga, e talvez você esteja pensando nisso

aí do outro lado: “Ah, mas não se pode condenar em uma

matéria de jornal alguém que ainda passará por julgamento”.

Ao que eu prontamente responderia que você tem toda a

razão. Meu objetivo aqui não é propor nenhum tipo de

injustiça a partir da reflexão sobre o uso de uma dada

estrutura linguística. No entanto, textos podem ser escritos

de maneira bastante variada. E como eu sempre digo em

meus cursos e vídeos para as diferentes redes sociais, todo e

qualquer texto pode ser repensado, refeito, reescrito. Afinal,

um texto não nasce no vácuo. Assim, seria possível trazer o

sujeito apontado como agressor para a oração principal,

explicitando com isso a relação de violência do homem

contra a mulher – a base do feminicídio –, sem condená-lo

previamente: “Ex-marido é principal suspeito de matar

mulher dentro de casa a facadas”.

Observe a diferença na escrita da manchete aqui: o

principal suspeito de cometer a violência está presente na

manchete, e a voz passiva não precisaria ser empregada

nesse caso. Este é um exercício que pode ser feito para todos

os textos: há sempre uma outra maneira de descrever uma

situação, mantendo, inclusive, a ética profissional

jornalística.

Ao propor aqui essa discussão, talvez surja uma dúvida:

estou sugerindo que não se deve mais empregar a voz

passiva? Não, não é isso. O objetivo é mostrar que as escolhas

sintáticas que fazemos têm implicações importantes na

maneira como um episódio ganhará destaque, em quais

aspectos ganharão o centro da discussão. É importante

reportar casos de violência contra a mulher; nosso país tem

um grave histórico de violências que seguem sendo

perpetradas. No entanto, é preciso deixar claro quem comete

tais agressões de maneira rotineira. Mulheres não são

mortas por algum agente etéreo; homens agridem,

violentam, matam mulheres. E essa informação, tantas

vezes ignorada na produção das manchetes de casos de

feminicídio, pode ter destaque em uma manchete que

reporta uma violência, mais uma vez, mantendo a ética

profissional do jornalismo e, ao mesmo tempo, garantindo

que todos os sujeitos que podem ter participado da

ocorrência estejam destacados – em vez de ignorados ou

deixados em segundo plano.

Assim, compreender como funcionam as diferentes

estruturas sintáticas contribui para entregarmos as

informações a quem nos lê de maneira socialmente

responsável. No caso da voz passiva no jornalismo, os

próprios manuais das redações recomendam seu uso,

ignorando frequentemente as reivindicações feitas contra o

emprego dessas estruturas em exemplos como o anterior.

Essa situação vem mudando a partir das inúmeras críticas

que vêm sendo feitas a esse padrão, e o exemplo nos mostra

o quanto a escolha por uma estrutura linguística pode ter

implicações que vão muito além da questão da norma.

A discussão sobre a escolha das estruturas sintáticas de

maneira mais geral, não apenas da voz passiva, me faz

pensar na escritora americana Vivian Gornick. Em seu livro

The Situation and the Story: The Art of Personal Narrative [em

tradução livre, A situação e a história: a arte da narrativa

pessoal],[48] a autora nos apresenta a importância da

descoberta da persona para a elaboração desse tipo de

narrativa. Essa persona, a autora entende, demanda,

inclusive, uma sintaxe própria a ser elaborada, construída, o

que nos revela a importância da atenção à estrutura para os

projetos de escrita. Para a autora, essa sintaxe não é

necessariamente a mesma empregada em outros projetos de

quem se propõe a escrever uma narrativa pessoal. É possível

que ela precise buscar e estudar quais recursos se adéquam

especificamente àquela persona que está sendo construída

naquele texto. Assim, importa reconhecermos que as

escolhas das diferentes estruturas é relevante para todo e

qualquer gênero textual. Essas escolhas marcam nossos

projetos de escrita, ficcionais ou não ficcionais.

Exercício

Considere as duas sentenças do caso de feminicídio

trazido anteriormente:

1. “Mulher é morta a facadas dentro da própria casa em

Araruama, RJ; ex-marido é o principal suspeito.”

2. “Ex-marido é principal suspeito de matar mulher

dentro de casa a facadas.”

Procure reescrever a oração, trazendo uma

alternativa à minha sugestão de reescrita da

manchete. Quais caminhos você encontra, mantendo

a ética na escrita do texto? Quais escolhas sintáticas

você fez para este exercício de reescrita?

O sentido e a quebra de expectativa

Criolo é o nome artístico de Kleber Cavalcante Gomes, um

cantor, compositor, rapper e ator brasileiro. No álbum Nó na

orelha, lançado em 2011, há uma canção composta por ele

chamada “Lion Man”. Nela, encontramos os seguintes

versos:

Retomando as atividades do dia:

lavar os copos, contar os corpos e sorrir a essa morna rebeldia[49]

Quando tem início o verso “retomando as atividades do

dia”, é lançada sobre nós a expectativa do que se vai

apresentar a seguir, ou seja, possíveis tarefas do dia. A

escolha vocabular nos coloca diante de um universo em torno

do que são essas atividades com as quais se lida no cotidiano.

Nosso conhecimento de mundo, que vamos adquirindo ao

longo da vida, contribui para essa construção. Cada um de

nós tem um entendimento do que são atividades do dia, do

que é corriqueiro, em função de questões de classe, de

gênero, de religião, entre outras. Mas é possível que haja um

conjunto amplo de atividades que se “cruzem” e que sejam

entendidas por grupos e comunidades distintos como

atividades de um dia comum. Por vivermos em uma

sociedade na qual compartilhamos uma série de hábitos e

rotinas, compartilhamos também esse entendimento, que

inevitavelmente perpassa a construção do sentido no texto.

Essa expectativa sobre as possíveis atividades de um dia é

mantida quando a primeira delas nos é listada no verso

seguinte: “lavar os copos”. Essa é, de fato, uma atividade do

dia bastante comum na vida de muita gente. No entanto, aí

está a beleza da escrita e das possibilidades que um texto nos

dá: diante da perspectiva lançada, é possível que você

imagine uma segunda tarefa, talvez doméstica, que se siga a

“lavar os copos”. Eis que, para nossa surpresa, surge “contar

os corpos” e, em seguida, “sorrir a essa morna rebeldia”.

“Lion Man” pode ser entendida como uma homenagem

aos artistas independentes e suas batalhas cotidianas

(“Artista independente leva no peito a responsa, tiozão / E

não vem dizer que não”). O nome da canção faz referência a

um seriado japonês lançado na década de 1970, em que um

samurai se transforma em um “homem-leão” para

enfrentar monstros diversos. Na última estrofe da música, a

relação entre o personagem Lion Man e Criolo se estabelece

através do verso “Criolo no estilo Lion Man”. Na estrofe em

que apresenta as atividades do dia, a ideia do que seriam

essas atividades se reconfigura a partir do momento em que

“lavar os copos” dá lugar a “contar os corpos”, algo que não

necessariamente tomaria nosso imaginário quando nos

deparamos com o primeiro verso dessa estrofe.

Esse exemplo nos mostra que construir o sentido de um

texto é elaborar uma cadeia coerente de ideias ao longo do

caminho. No entanto, essa cadeia não precisa seguir uma

linha de raciocínio convencional, aproximada do senso

comum: como vimos em “Lion Man”, quebra-se uma

expectativa para dar lugar a outro universo, que nos

surpreende, incomoda, desperta curiosidade. A quebra em

“Lion Man” não nos desorienta de maneira definitiva; o que

ela faz é recalibrar nossa busca pelo sentido, que foge do

óbvio do que seria entendido como as tais atividades do dia.

Gosto desse exemplo para discutir as diferentes

possibilidades de construção do sentido, sem que se ignore o

todo do texto. A quebra de expectativa tem aí uma razão de

acontecer. Quem escreve não deve buscar a todo custo

quebrar um fio interpretativo de um texto simplesmente

“porque sim”. É preciso se conectar ao seu projeto de dizer.

A estrofe em questão nos ajuda a compreender como o texto

se consolida a partir do jogo da manutenção e quebra de uma

lógica de sentido compartilhada entre nós, a partir

justamente do conhecimento de mundo que em certa medida

compartilhamos. Para muitos de nós, lavar os copos é uma

tarefa cotidiana; contar os corpos, não. Para tantas outras

pessoas, no entanto, contar os corpos é também parte

bastante corrente do cotidiano, seja metaforicamente, seja

concretamente, em função das inúmeras dinâmicas de

violência com as quais se convive. Basta ler os jornais para

estar diante de inúmeros casos, muitas vezes entendidos

como uma verdadeira “contagem de corpos” corriqueira, em

função da frequência com que acontecem.

É no texto que se constrói esse jogo, mas um texto não

caminha só. Ele desperta em nós a busca pelo sentido, que se

encaminha a partir das inúmeras conexões que vamos

estabelecendo na jornada da leitura e da escrita. É no texto

que se estabelecem expectativas que, ao serem quebradas,

nos colocam diante da confrontação da multiplicidade de

mundos e entendimentos sobre eles e sobre o texto.

Exercício

Você se lembra de alguma leitura que te impactou por

trazer essa quebra de uma expectativa sobre o que

viria a seguir? Se sim, retome este texto e busque

sistematizar, como fizemos aqui, quais elementos

levaram à quebra de um sentido esperado e ao

estabelecimento de novas possibilidades

interpretativas. Em seguida, elabore um parágrafo em

que você busca essa quebra de expectativa no

sequenciamento de ideias do seu texto.

Explicando demais? O caso dos advérbios

Advérbios são uma classe de palavras descritas como

modificadoras de verbos, adjetivos e até mesmo outros

advérbios. Isso significa que, em um caso como “respondeu

vigorosamente”, “vigorosamente” é um advérbio que estaria

acrescentando um sentido ao verbo “responder”. Eles

formam uma combinação importante; no entanto, por serem

bastante descritivos, podem se tornar uma combinação

“indesejada”, a depender do efeito de sentido que se quer

causar. Em um dado momento de um romance, por exemplo,

é possível que um texto muito “explicado”, em que toda ação

vem acompanhada da marca “verbo e advérbio” (como em

“respondeu vigorosamente”), seja declarativo demais, em

vez de propor a tensão a partir de outros recursos que não

envolvam necessariamente a explicitação direta de uma

emoção. Vejamos: sempre que escrevemos um texto,

fazemos escolhas, tiramos uma palavra aqui, acrescentamos

outra ali. Não é possível que se diga exatamente tudo. Você

assume que quem lê irá preencher as lacunas deixadas no

texto a partir do conhecimento de mundo que possui,

evitando, com isso, a redundância ou a explicação

demasiada. Assim, estamos sempre ponderando sobre as

informações que decidimos incluir em um texto. Em um

conto ou romance, é possível que você também não queira

trazer propositalmente todas as explicações para um

episódio para permitir que a pessoa que está do outro lado,

lendo o livro, construa ali pontes de sentido. Assim, nem

tudo precisa ou deve estar explícito na tentativa de despertar

o interesse do leitor. É aqui que o “respondeu

vigorosamente” pode acabar por se tornar “revelador

demais”, por exemplo, na descrição de um diálogo, em que

cada fala vem acrescentada de marcas explicativas como

essa. Por isso, ao descrever alguma ocorrência no texto, é

importante se perguntar: o clima da cena já não está

suficientemente apresentado através de outros recursos?

Essa combinação não torna o texto artificial? É preciso fazer

uso desse recurso para que uma situação seja bem descrita?

Quais outros caminhos posso percorrer?

O caso dos advérbios é também interessante quando

pensamos em seu uso nos textos jornalísticos, em especial

em situações em que se busca manter uma suposta

neutralidade. Trago um exemplo retirado de matéria da Folha

de S.Paulo do dia 3 de julho de 2023: “Famosos pedem prisão

de André Valadão após fala supostamente

homotransfóbica.”[50]

É interessante pensar a escolha pelo uso do advérbio

“supostamente” na sentença. Explico: em um de seus cultos,

o pastor menciona, ao falar sobre o casamento homoafetivo,

que Deus já não poderia fazer nada a respeito porque já “meti

esse arco-íris aí. Se eu pudesse, matava tudo e começava

tudo de novo”. Segue dizendo “mas já prometi a mim

mesmo que não posso, então agora tá com vocês”.[51] Ainda

que o pastor tenha dito que apenas repetiu o que estava na

Bíblia – sua fala se apresenta de tal forma como se Deus

estivesse falando –, é inegável reconhecer o conteúdo como

homofóbico e transfóbico, ao sugerir o possível fim da

existência desses grupos em “se eu pudesse, matava tudo e

começava tudo de novo”. A escolha do jornal, ao reportar o

caso, foi afirmar que a fala seria “supostamente”

homofóbica, momento em que o advérbio tem função

importante por permitir que não seja categórica a afirmação

de que a fala foi homofóbica. O advérbio aqui qualifica o

adjetivo “homotransfóbica” e coloca em dúvida o teor da fala

do pastor.

Esse é um recurso importante do jornalismo, mobilizado

muitas vezes em função de aspectos jurídicos para evitar

uma acusação direta de uma personalidade pública. Busca-se

assim reportar o episódio, ainda que qualificadores sejam

incluídos para minimizar possíveis efeitos da manchete

sobre os envolvidos. É um exemplo significativo por nos

mostrar que as escolhas vocabulares, aqui refletidas

cuidadosamente na inserção do advérbio que redimensiona o

peso da manchete (ao mesmo tempo que pode diminuir a

gravidade do que está sendo reportado), se dão por fatores

diversos, relacionados aos efeitos de sentido pretendidos em

função das mais variadas questões, incluindo aspectos

jurídicos.

Deixo, com isso, a pergunta: quantas vezes, ao escrever

um texto, você se perguntou se deveria incluir um advérbio

que “amenizasse” ou “reforçasse” o sentido do que você se

propôs a dizer? Já observou, em textos de outras pessoas,

como esse tipo de escolha impactou sua leitura?

Frases longas, frases curtas

No início do seu livro Niketche: uma história de poligamia, a

escritora moçambicana Paulina Chiziane nos apresenta uma

narradora que faz elocubrações sobre um barulho que vem de

longe: “Um estrondo ouve-se do lado de lá. Uma bomba.

Mina antipessoal. Deve ser a guerra a regressar outra

vez.”[52]

É possível que o trecho desperte sua curiosidade diante do

suspense que se apresenta: o que será o estrondo? Para criar

essa dinâmica de tensão, suspense e surpresa, há ao menos

dois recursos empregados. Talvez o primeiro a se destacar

seja a maneira como vai se desencadeando o referente “um

estrondo”, que em seguida é apresentado como “uma

bomba” e “mina antipessoal”. Essas nomeações abrem

caminhos para explorarmos um campo de ideias que não

necessariamente seria o primeiro a se pensar apenas com a

palavra “estrondo”. No parágrafo, essas ideias se consolidam

com a nomeação da “guerra” como uma possibilidade do que

pode estar acontecendo.

No entanto, não só a especulação em torno do estrondo e o

que ele representaria dá o ritmo para o texto. Observe, por

exemplo, a alternância entre frases curtas e longas no

parágrafo. Na primeira sentença, uma inversão: em vez da

ordem mais corrente “ouve-se um estrondo do lado de lá”,

escolhe-se “um estrondo ouve-se do lado de lá”, destacando

com isso o tópico “um estrondo”. A partir da apresentação

dessa estrutura, o que temos é a sequência de duas frases

curtas, compostas apenas pela estrutura nominal “uma

bomba” e “mina antipessoal”. Cada sentença curta nos traz

uma expectativa do que poderia ser o estrondo. Em seguida, a

sentença “deve ser a guerra a regressar outra vez” encerra o

parágrafo. A alternância entre frases mais curtas e mais

longas junto da tentativa de nomear o que seria o estrondo dá

dinamismo ao trecho inicial, importante para o

estabelecimento da curiosidade do interlocutor.

Essa alternância não se fará presente apenas em romances

ou outros formatos de textos ficcionais, em prosa ou verso, e

poderá, sem dúvida, promover diferentes efeitos de sentido,

a depender das demais características do texto. E quando, em

manuais de escrita, nos deparamos com a sugestão de evitar

frases longas, pode haver aí algumas razões, dentre as quais

destaco:

1. muitas vezes as frases longas podem ficar incompletas,

porque quem as escreve “se perde” no meio do caminho;

2. muitas vezes as frases longas não vêm acompanhadas da

pontuação adequada para a leitura e o entendimento da

sentença;

3. muitas vezes as frases longas são resultado de um

pensamento complexo que se quer exprimir e que

poderia ser organizado a partir de duas ou mais frases

mais curtas, concatenadas.

Assim, o problema não está em fazer uso de frases longas

em seu texto, mas na maneira como elas estão estruturadas e

em quais efeitos de sentido se pretende passar com elas (veja

a seção seguinte).

Em especial quando se trata de textos acadêmicos, é

comum encontrar parágrafos longos com pensamentos

complexos bastante emaranhados feitos de uma única

sentença, que poderia ser expressa em várias, mais curtas e

objetivas. Nesses gêneros textuais, objetividade e clareza são

marcas recorrentes, muitas vezes impressas a partir do uso

de estruturas mais “simples” e diretas. No entanto, lembrese de que não se trata de uma máxima que se aplica a todo

gênero textual e a todo texto: fundamental é entender como

a estrutura de que você fez uso garante a fluidez da leitura e

se conecta com seu projeto.

Ponto aqui, vírgula acolá

Não me parece possível falar em pontuação sem lembrar o

escritor português José Saramago. É possível ler longos

parágrafos de seus textos sem que haja pontuação diferente

das vírgulas. Observe que eu disse “sem que haja pontuação

diferente das vírgulas”. A escolha por essas palavras é

proposital: não se trata de um texto “sem pontuação”; é um

autor que escolhe as vírgulas como recurso principal de

pontuação, o que é bem diferente. Vejamos o exemplo

extraído do livro O evangelho segundo Jesus Cristo:

Não chores, Mãe, tenho o meu trabalho, sou pastor, Pastor,

Sim, Cuidava eu que terias seguido o ofício que teu pai te

ensinou, Calhou ser pastor, é o que sou, Quando voltas para

casa, Ah, isso não sei, um dia, Ao menos, vem com a tua mãe

e os teus irmãos, vamos juntos ao Templo, Não vou ao

Templo, mãe, Porquê, ainda tens aí o teu cordeiro, Este

cordeiro não vai ao Templo, Tem defeito, Nenhum defeito,

este cordeiro só morrerá quando chegar a sua hora natural,

Não te compreendo, Não precisas compreender, se salvo este

cordeiro é para que alguém me salve a mim, Então, não vens

com a tua família, Já ia de partida, Para onde vais, Vou para

onde pertenço, para o rebanho, E onde anda ele, Agora está

no vale de Ayalon, Onde fica esse vale de Ayalon, Do outro

lado, Do outro lado de quê, De Belém.[53]

Nesse trecho, são as vírgulas, aliadas a letras maiúsculas e

minúsculas, que distinguirão as falas das duas personagens

que interagem no diálogo. É através delas que é estabelecido

o ritmo da cena, com a alternância entre respostas curtas e

longas da mãe e do filho. É uma conversa, marcada pela

oralidade, trazida para o texto. A oralidade, que já

mencionamos neste livro, está presente também na

literatura e nas reflexões, por exemplo, de Conceição

Evaristo. Observe que sequer o ponto de interrogação tem

espaço na construção das sentenças. É preciso ativar o

conhecimento sobre as dinâmicas interativas de um diálogo

para identificar que se trata de perguntas e respostas, por

exemplo, em “Pastor, Sim” e “Quando voltas para casa, Ah,

isso não sei, um dia”. Quem começa a ler textos do autor será

confrontado com distintos estranhamentos e inquietudes

diante de sua forma de escrever. É uma escolha que tem

impacto, como eu disse, sobre o ritmo e sobre a maneira

como quem lê interage com o texto. Ao se afastar de uma

dada tradição de escrita em língua portuguesa, suas escolhas

têm também impacto sobre a recepção de sua obra pela

crítica que, em diferentes circunstâncias, pontuaram

negativamente tais características.

Estamos mais uma vez diante da reflexão em torno das

escolhas que se deslocam da norma, do tradicional, e se

consolidam a partir de um outro lugar, que valoriza a

oralidade no texto e a pontua, entre outras formas, a partir

dos usos das vírgulas e maiúsculas e minúsculas. O autor não

é o único escritor a fazer uso dessa estratégia, mas talvez seja

o escritor do século 20 mais conhecido por empregá-la.

No livro Memória de ninguém (já mencionado

anteriormente), a escritora brasileira Helena Machado nos

apresenta uma narradora lidando com o luto e a ansiedade

que a acompanham diante da passagem do tempo. Em

alguns momentos, essa narradora parece se afogar – e nos

afogar – em um mar de pensamentos que vão e vêm e nos

arrastam para dentro do universo que circula na cabeça dela.

Esses pensamentos vêm marcados por longos trechos em

que as vírgulas são protagonistas:

Cheguei da corrida me sentindo empurrada ladeira abaixo e

como domingo era o dia da semana no qual eu me permitia

abdicar do controle logo no café da manhã comi cuscuz de

milho e bolo de goma e biscoito peta e todas as iguarias da

terra seca molhadas na manteiga e mais tarde abri a caixa de

bombons e meti para dentro Serenata de Amor e Alpino e

Galak e depois lasanha no almoço e de sobremesa goiabada

com queijo e à tarde sorvete e iogurte e à noite paçoca e pizza

e farinha láctea e a barriga melancia banhuda com seu peso

monstro e aquele calor dos diabos e minha mãe já havia

sentado comigo na mesa da sala embaixo do lustre de vitral

cuja corrente ficava pendurada formando uma curva sorriso e

aí sob aquela luz amarela, que para uma formiga poderia

denotar a abóbada de uma igreja e a salvação dessas coisas

que vão além da conta, minha mãe desenhou uma planilha

com a régua – e agora percebo que régua realmente é um

objeto que combina muito com minha mãe – e foi separando

os dias da semana e olha, na segunda você pode comer

cuscuz, na terça farinha láctea, na quarta lasanha e assim

sucessivamente, dividindo ao longo da semana todas as

porcarias  – que na época não eram tão porcarias assim,

porque há havia o lance do açúcar, mas não tinha essa coisa

de glúten, lactose e a porra toda, importavam mesmo as

calorias –, mas o fato é que apesar da explanação da minha

mãe fazer todo sentido eu já tinha me amarrado ao maldito

desacato (…).[54]

Conforme fui me embrenhando pelo livro, me dei conta de

que muito do que senti ao lê-lo tem relação não apenas com

as ideias, mas justamente com a maneira como nos são

apresentadas a partir dos longos parágrafos concatenados

com o suporte de algumas tantas vírgulas e travessões.

Observe que no trecho que trago em destaque, ao passar a

relatar a seleção que a mãe faz das comidas por dia da

semana, as vírgulas são empregadas para pontuar a

separação dos dias, como se ali no texto estivesse sendo

reproduzida a separação de cada dia da semana trazida na

planilha desenhada pela mãe. Antes disso, não havia vírgulas

ou qualquer outra marca de pontuação: a oralidade mais uma

vez se mostra presente a partir das marcas de repetição de

estruturas como “e” que apresentam o sequenciamento das

ideias.

É importante entendermos que os exemplos que destaco

aqui e que podem, a princípio, parecer “desajustados” aos

olhos de quem vê apenas a norma, na verdade derivam de um

profundo conhecimento desses recursos na escrita. Como

dito anteriormente, escrever é estudar, observar e exercitar.

Para poder trazer para a própria escrita essas formas, é

importante conhecê-las e “testá-las”. E para conhecê-las,

temos que observá-las, estudá-las, pensá-las como parte do

seu projeto de escrita.

É possível fazer um grande apanhado sobre questões de

pontuação que impactam o sentido do texto. Não é nosso

interesse neste livro falar sobre todas elas. Meu interesse

está em fomentar a observação ativa dos recursos

disponíveis e como seus usos se consolidam nos textos a que

temos acesso no nosso cotidiano. Mas se me permitem um

breve conselho, dentre os muitos que podem ser oferecidos:

é importante conhecer o gênero textual a que vamos

“submeter” nossas ideias. É menos provável que um artigo

acadêmico de engenharia venha organizado a partir de

longos parágrafos em que o ritmo do texto se dá pela

concatenação das ideias apenas pela separação por vírgulas,

ou então a partir de frases curtas e entrecortadas, que geram

suspense ou tensão. É provável que os argumentos sejam

articulados a partir de outros recursos, com pontuação mais

“conservadora” e entrelaçamento de articuladores

argumentativos que marcam a apresentação, o

sequenciamento e a contraposição de ideias. Sabe a

sequência que mencionei logo no início do capítulo, os

queridos “mas”, “porém”, “todavia”, “contudo”, “no

entanto”, “entretanto”? Certamente, são bastante

frequentes, junto com inúmeros outros, em artigos

acadêmicos e teses. Cada texto – e cada gênero – demandará

de nós um conjunto de elementos em função das

características e necessidades que derivam da nossa

intenção, do objetivo do projeto, das possíveis regras para

sua escrita e do impacto que se almeja ante a audiência, entre

outras características e questões que podem surgir.

Este capítulo é mais um convite a você que está do outro lado

desta página. São incontáveis os recursos que tornam nossos

textos mais “redondos”, mais próximos daquilo que

queremos despertar em quem nos lê. Estamos diante de um

sem-fim de possibilidades, com as quais vamos lidando

conforme nos colocamos diante de novos textos, novos

projetos de escrita – nossos e das tantas pessoas que lemos e

admiramos. Quando Rosa Montero compartilha conosco seu

processo criativo em seu livro A louca da casa,

[55] temos a

possibilidade de nos conectarmos com aquilo que é ao

mesmo tempo tão pessoal e tão comum a tanta gente que

escreve: os textos perambulam em nossas cabeças, mesmo

quando não estamos diante do papel ou da tela do

computador. E esse perambular tem, muitas vezes, forma.

(Re)pensamos a ordem do que pretendemos escrever,

criamos frases curtas e longas, jogando para lá e para cá

vírgulas, pontos, pontos de interrogação e exclamação.

Inventamos palavras, damos usos inusitados às que já

conhecemos. Esse é um exercício continuado, que não se

“resolve” – é um movimento que está sempre lá. Muitas

vezes nos sentimos até mesmo traídas pelas

(im)possibilidades da escrita, como bem aponta Conceição

Evaristo, ao falar da relação entre oralidade e escrita. Ao

escrever, estamos refletindo e mexendo o tempo todo com os

recursos linguísticos que temos à disposição naquele

momento de nossa história. De forma mais ou menos

consciente, estamos continuamente desbravando esses já

conhecidos – mas sempre novos – elementos. Porque cada

texto é único, e os recursos podem se revelar e se organizar

de formas absolutamente distintas em cada um desses

textos, a partir daquilo que somos hoje e do que seremos

mais adiante, quando mais histórias, leituras,

conhecimentos e experiências cruzarem nossos caminhos,

nos permitindo ressignificar aquilo que conhecemos e com

que trabalhamos.

5.

A escrita para além do texto

Quando eu decidi criar o curso “Escrever sem medo”, minha

preocupação primeira estava em pensar de maneira mais

generosa e cuidadosa o processo de escrever. Para mim, essa

postura passava por desmistificar o processo de escrita e

mostrar o quanto há inúmeros fatores envolvidos no

entendimento que temos de textos e de como funciona o

processo da escrita dos mais variados tipos. Quando fui

convidada a trazer as ideias do curso para este livro, entendi

que essas reflexões também deveriam ser trazidas para este

espaço, em vez de ficarem circunscritas ao curso.

Escrever demanda tempo: para estudar, para planejar,

para redigir, para revisitar. Em um mundo em que o ditado

“tempo é dinheiro” tem bastante força, pode ser desafiador

escrever regularmente. E pode demandar também

influência, a depender dos interesses de quem escreve: para

ser publicado por grandes editoras ou jornais, ou você se dá a

conhecer ou você é, de alguma forma, já conhecido. Quando

se conhecem – e se têm em alta conta – pessoas que podem

contribuir para alavancar seu projeto editorial, suas chances

certamente passam a ser distintas das chances de quem não

tem acesso a esses recursos. Não quero, ao fazer essa

afirmação, parecer reducionista ou simplista demais, mas

são inúmeros os casos de pessoas que enviam seus

manuscritos e sequer são lidas ou respondidas. São muitos os

textos que chegam às editoras, inevitavelmente não serão

todos publicados. Assim, é preciso pensar também: quem é

visto e como? Quando, em momento anterior do livro,

mencionei que escrever é também estratégia, é possível

pensarmos também sob essa perspectiva: quais são os passos

para que um livro chegue a uma livraria? Ao serem

lançados, quais são os livros que ganham destaque, quais são

transformados em “promessa” e contam com maior

publicidade? Falar sobre isso pode soar incômodo e

rapidamente a conversa pode se deslocar para o

desmerecimento de quem ocupa espaço de destaque nos

lançamentos.

Mas não se trata disso: ao fazer essas perguntas, estou

aqui propondo uma conversa sobre as dinâmicas que fazem

parte do processo da escrita, mas que parecem pouco

exploradas quando se escreve sobre o tema. Não se trata de

diminuir quem tem destaque, mas de elaborar por que tão

poucos têm direito ao destaque e, mais ainda, por que os que

não têm destaque não o têm.

Além disso, escrever pode demandar também dinheiro. O

que quero dizer com isso? São inúmeros os casos de pessoas

que consolidaram suas carreiras como escritoras já depois de

terem consolidada uma outra carreira, ou seja, a questão

financeira já estava “resolvida” a partir de um outro lugar,

não necessariamente o da escrita. Há também inúmeras

escritoras e escritores que produzem seus textos nas horas

“livres” de que dispõem, porque não é da escrita que vem o

seu sustento. E há também escritoras e escritores que

seguiram escrevendo mesmo diante das inúmeras

adversidades financeiras – entre outras tantas – em suas

vidas. Assim, pensar a escrita como carreira pode requerer

um planejamento que não necessariamente vai levar à

satisfação financeira. Em função disso, é possível que seja

necessário encontrar nas brechas da vida o espaço para

escrever, tendo que consolidar o aspecto financeiro em outro

lugar.

Pensando ainda nos textos que são publicados através de

editoras, é inegável considerar também a diferença de

recursos entre as próprias editoras, maiores e menores, que

levarão a diferentes oportunidades nos espaços de mídia

para alavancar suas obras e autores.

Há aqui uma complexidade de elementos que nos leva a

pensar na estrutura capitalista em que vivemos e que,

inevitavelmente, perpassa a jornada do escrever. Há as

demandas por uma continuada produtividade e entrega. Há

também o entrelaçamento entre questões de raça, classe e

gênero, que inevitavelmente inundam o universo da escrita e

as quais mencionei em alguns momentos deste livro. Não há

meritocracia que dê conta de tantos enfrentamentos.

Histórias de superação de inúmeras dificuldades – sistêmicas

– podem, sim, nos servir como inspiração para seguir a

jornada, mas jamais devem ser entendidas como exemplo

único de como conquistar um espaço no universo da escrita

pública. Para cada um ou dois “exemplos de superação” que

desbravaram um universo ainda bastante elitista, racista e

machista, há outras inúmeras pessoas que nadaram,

nadaram, mas não alcançaram a praia da publicação,

visibilidade, exposição e alcance.

Ter isso em vista pode parecer desolador, mas, ao trazer

esses elementos de maneira breve, minha intenção é

convidar as pessoas a pensarem sobre o lugar que elas

mesmas ocupam e, especialmente, o lugar que ocupam as

pessoas que “chegaram” lá. Em vez de ser motivo de

desistência e desânimo, minha fala vem no sentido de

pensar e propor caminhos e encontros que mobilizem a

escrita de quem não é vista ou se vê representada pelos

textos que circulam por aí. Pode ser a troca entre você e suas

amigas que escrevem poemas; pode ser o coletivo que produz

jornalismo independente; pode ser o grupo de pessoas que

tinham blogs e hoje discutem literatura em encontros

regulares; pode ser o grupo que se apoia na realização dos

trabalhos da faculdade. Pode ser através da participação em

um projeto como o Leia Mulheres, com vistas a conhecer

novas autoras e formas de escrever e se expressar. Pode ser

através da produção de zines e outras tantas formas de

publicação independentes. Você, enquanto me lê, pode já ter

outros caminhos em vista e em atividade. Reconhecer o árido

percurso que pode levar à publicação em larga escala é uma

maneira de pensar e construir os caminhos “alternativos” a

essa lógica ainda tão presente no mercado editorial.

O meu convite para que você permaneça na escrita, se

assim o desejar, é um convite cravado no entendimento dos

inúmeros desafios que podem estar postos. No entanto,

como dizem tantas pessoas que escrevem, não escrever pode

ser ainda mais desolador. Encontrar as brechas, a partir da

sua realidade, das suas possibilidades, é o que espero que

possamos fazer. No dizer de Gloria Anzaldúa:

Por que sou levada a escrever? Porque a escrita me salva da

complacência que me amedronta. Porque não tenho escolha.

Porque devo manter vivo o espírito de minha revolta e a mim

mesma também. Porque o mundo que crio na escrita

compensa o que o mundo real não me dá. No escrever coloco

ordem no mundo, coloco nele uma alça para poder segurá-lo.

Escrevo porque a vida não aplaca meus apetites e minha

fome. Escrevo para registrar o que os outros apagam quando

falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim,

sobre você. Para me tornar mais íntima comigo mesma e

consigo. Para me descobrir, preservar-me, construir-me,

alcançar autonomia. Para desfazer os mitos de que sou uma

profetisa louca ou uma pobre alma sofredora. Para me

convencer de que tenho valor e que o que tenho para dizer

não é um monte de merda. Para mostrar que eu posso e que

eu escreverei, sem me importar com as advertências

contrárias. Escreverei sobre o não dito, sem me importar com

o suspiro de ultraje do censor e da audiência. Finalmente,

escrevo porque tenho medo de escrever, mas tenho um medo

maior de não escrever.[56]

A escrita e o medo: estratégias?

Em uma das minhas turmas de escrita, propus o seguinte

exercício: eu diria uma palavra e, a partir dela, os

participantes escreveriam por cinco minutos, sem pensar

demais, sem voltar para editar o texto. Apenas escreveriam o

que lhes viesse à cabeça no momento em que eu

mencionasse a palavra. Eu sugeri este mesmo exercício

também aqui neste livro. Não se trata de uma técnica

inovadora inventada por mim, mas de uma estratégia

utilizada por muitas pessoas na tentativa de “destravar” a

escrita. Quando finalizado o exercício, vem a sugestão de

deixar o texto “descansar” e voltar a ele horas (ou dias?)

depois, na busca por um afastamento necessário do texto e

das possíveis críticas imediatas a ele. Vários foram os relatos

de pessoas que se surpreenderam ao se darem conta de que

estavam escrevendo, “sem pensar demais”, durante o

exercício. Essa é apenas uma estratégia que pode ajudar a

organizar seus pensamentos através da escrita, sem que você

apague imediatamente aquilo que produziu a partir da forte

autocrítica que muitas vezes nos toma ao escrever. Escolher

uma palavra, uma situação, um objeto pode ser um caminho

interessante para levar a escrita a fluir.

Assim, ao entendermos que a escrita se consolida no

exercício – e não na inspiração imediata –, podemos encaixar

diferentes estratégias no cotidiano para seguir escrevendo.

Há quem escolha um dia da semana ou um momento do dia

para organizar listas das ideias que passaram pela cabeça; há

quem elabore mapas mentais de uma ideia para visualizar o

que seria o texto completo; há quem reserve alguns minutos

em um momento do dia para discorrer, como no exercício

que ofereci em meu curso, sobre um tópico de interesse sem

qualquer interrupção; há quem faça uso dessa estratégia de

maneira recursiva, escolhendo um tópico a partir de um

primeiro texto e, então, desenvolvendo mais amplamente

aquela ideia específica; e há, ainda, quem desenvolva uma

ideia ou conjunto de ideias a partir de perguntas norteadoras,

como “do que se trata o tema?”, “quem participa da

situação?”, “onde ela acontece?”, “quando acontece?”,

“como acontece?” e “por que acontece?”. Essas diferentes

estratégias não são excludentes e podem ser empregadas em

diferentes etapas do processo de escrever.

Quando há projetos específicos em andamento, há ainda

quem defina um objetivo: preciso escrever três parágrafos

hoje. Ou uma página. Há quem delimite o que é preciso ser

feito em termos de caracteres: mil, 2 mil, 5 mil por dia. É um

caminho norteador do tempo que será preciso para escrever

um projeto completo quando se sabe qual será seu tamanho.

Um exemplo: a submissão de artigos científicos para

publicação frequentemente é feita a partir do número de

caracteres permitidos. Ao estabelecer quantos caracteres (em

média) se vai escrever por dia, ou por semana, tem-se uma

melhor estimativa do tempo necessário para a escrita total

do projeto. É claro que nem sempre o plano inicial será

mantido: há dias em que se escreve menos, há dias em que se

escreve mais. Mas se pontuamos neste livro, em diferentes

momentos, que a rotina de escrita é bem mais importante e

representativa do que um lampejo de inspiração, estabelecer

metas factíveis pode contribuir para a manutenção dessa

rotina.

Para quem não tem um projeto específico, mas gostaria de

escrever com regularidade, pode parecer difícil encaixar a

escrita na rotina. Uma possibilidade é registrar

cotidianamente o que chamou a atenção no dia: as

impressões sobre um livro lido, o episódio da novela; criar

uma história fictícia a partir da conversa que você ouviu no

ônibus na volta do trabalho; criar o hábito de registrar o que

se lembra dos seus sonhos todas as manhãs ao acordar.

Quando desfazemos a ideia de que apenas o que é “nobre”

tem vez no registro escrito, surge a possibilidade libertadora

de transformar a escrita no lugar da conversa consigo (ou

com o outro), na experimentação de diferentes caminhos e

gêneros.

Exercício

Agora que você chegou até aqui, eu gostaria de propor

um último exercício. Considere as conversas

propostas ao longo do livro e escreva de maneira

fluida, sem pausas, durante 15 minutos. Você poderá

escolher o tema e também o gênero textual. Ao

concluir esse período, deixe seu texto repousar.

Algumas horas depois, volte a ele e revisite sua

escrita. Analise concretamente cada parte do texto e

revise as estruturas e as ideias: há algo redundante?

Alguma estrutura recorrente de que você goste? Algo

que queira acrescentar ou retirar? Alguma dúvida com

relação à pontuação? Acesse um compêndio

gramatical, se considerar necessário. Reescreva seu

texto com base nessas observações e, em seguida,

releia o que você produziu. O que você vê?

6.

Para finalizar

Eu entendo este meu primeiro livro sobre escrita como um

convite: a pensar a própria escrita com mais generosidade, a

observar a escrita do outro com vistas a aprender sobre ela, a

experimentar diferentes gêneros e recursos, em vez de

determinar que a escrita parte de um gênio inalcançável. É

também um convite para entender a produção textual como

uma jornada que vai se transformando ao longo de toda a

nossa história; afinal de contas, os textos não brotam de

árvores e são fruto do nosso entendimento de mundo num

dado momento da nossa trajetória. As ideias que nos surgem

e que se transformam em textos são uma parcela daquilo que

aprendemos e observamos da vida – com maior ou menor

dedicação, com maior ou menor formalidade –, e reconhecer

isso é também entender que todos os textos produzidos estão

cravados num dado momento não só da nossa história, mas

da história do mundo. São fagulhas, pequenas contribuições,

que se juntam a outras tantas que falam de dores, angústias,

encontros, estruturas falhas, universos combinados ou

colididos. Fazer essa afirmação implica reconhecer as marcas

que o período em que estamos inseridos deixa também nos

textos produzidos, porque não estamos isolados do mundo,

porque nossa escrita não ignora as marcas do nosso tempo.

Da mesma maneira, nossa escrita não ignora as inúmeras

referências que vamos construindo e consolidando ao longo

da nossa história.

Sabe a paranoia da escrita que precisa ser original e

criativa? Pois é. Eu me pergunto de onde vem essa ideia que

atordoa e persegue escritores de todas as idades, como se

“escrever algo nunca visto” fosse sinônimo de escrever

sobre algo nunca comentado antes. Quanta ilusão, quanto

sofrimento em vão! Assim, este livro é também um convite

para desmistificar essa lógica de uma originalidade vazia,

como se ela pudesse se concretizar sem que você elaborasse a

partir de todo o conhecimento que construiu e que quer

desbravar, seja sobre sua própria história, seja sobre a

história do mundo.

E embora não tenha sido o foco do livro detalhar todas as

milongas envolvidas nos diferentes momentos da história da

literatura nacional (e da língua escrita brasileira), não nos

esqueçamos de que, ao falar de escrita, estamos falando de

uma continuada disputa de forças, engendrada por

diferentes atores ao longo da história, a partir das questões

de suas épocas, com um “pano de fundo” voltado à questão

da língua e seus usos possíveis na escrita. Pensar quem tem o

direito a escrever e como, o quanto será validado em sua

escrita e que escrita é essa, é parte importante da circulação

de textos escritos. É parte fundamental de se pensar o

escrever.

Assim, este meu texto é também um convite para

desencastelar a escrita. Um convite para entendê-la como

um lugar múltiplo, de afirmação de identidades, de busca

pela negociação de sentidos vários, e não de uma “utilidade”

única e específica. Escrever pode ser sinônimo de aniquilar a

dor, transformar o viver, criar outros mundos, consolidar

experiências e conhecimentos, reafirmar posições. Pode ser

assustador para alguns, revitalizante para outros.

Essas definições e possibilidades me levam de volta para a

escrita e sua idealização. Do que as pessoas assumem que

“pode” ser dito, e como pode ser dito. Do ideal em tudo – na

forma e no conteúdo. Da elitização dos temas e de quem pode

segurar a caneta e pressionar o papel para expressar suas

ideias.

Escrever é tudo o que pontuei neste livro, e tanto mais. E são

tantas as escritoras que falam sobre suas jornadas de escrita

e o que representam para elas. Pode ser difícil, confuso,

árduo. Mas, para muitas pessoas, o pior é não escrever. Sobre

o cotidiano, sobre a vida íntima, sobre o dia que corre. Sobre

a mosca que morre, o estrondo na esquina, a carne que

incomoda. Sobre a guerra de que não se ouve falar. Sobre a

manifestação política, o dia a dia documentado no

Instagram, o próprio ato de escrever, a vida em sociedade.

Escrever é criar no texto uma realidade que só se vê ali,

mesmo quando o que escrevemos é a realidade em que

vivemos. No respiro, na hesitação e na realização de um

projeto, grande ou pequeno, público ou privado, vamos?

1 Para trazer apenas alguns nomes importantes da área: Ataliba Teixeira de Castilho,

Carlos Alberto Faraco, Gladis Massini-Cagliari, Ingedore Koch, José Carlos de Azeredo,

Luiz Antônio Marcuschi, Marcos Bagno, Maria Helena de Moura Neves, Marli Leite,

Stella Maris Bortoni-Ricardo, Vanda Elias, entre inúmeros outros.

2 As redes sociais se transformam rapidamente a partir das necessidades trazidas por

quem as utiliza. Além disso, há sempre novas redes surgindo, o que pode levar ao

declínio de outras tantas. O exemplo do WhatsApp faz sentido no ano de 2024, mas

talvez daqui a alguns anos não mais…

3 Este livro foi escrito em 2023, num momento em que esse era o limite de caracteres

para as legendas do Instagram. Essas características, claro, podem mudar com o

tempo.

4 LYGIA Fagundes Telles. Vídeo (5 min). Publicado pelo canal Companhia das Letras.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iZcS6KpsWc8.Acesso em: 20 nov.

2023.

5 BORGES, Stephanie. Fred Moten e Stephanie Borges: dois poetas conversam no

escuro. Suplemento Pernambuco, [s.d.]. Disponível em:

http://www.suplementope.com.br/ensaio/3082-dois-poetas-conversam-noescuro.html. Acesso em: 20 nov. 2023.

6 MARAN, Meredith. Why We Write. Nova York: Plume, 2013.

7 MESQUITA, A. C. “Apresentação”. In: WOOLF, Virginia. Um esboço do passado. São

Paulo: Nós, 2020.

8 DURAS, Marguerite. Escrever. Belo Horizonte: Relicário Edições, 2021.

9 Conheça os textos no blog da autora:

https://www.alinevalek.com.br/blog/tag/personas/.

10 “Natureza dialógica da consciência, natureza dialógica da própria vida humana. A

única forma adequada de expressão verbal da autêntica vida do homem é o diálogo

inconcluso. A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo:

interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e

com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os

atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida

humana, no simpósio universal.” (BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 6. ed.

Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011, p. 348.)

11 Na Linguística, o termo mais comum usado para se referir a essa forma

costumeiramente ensinada na escola é “norma-padrão”. Para mais informações,

sugiro a leitura de FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando alguns

nós. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. BAGNO, Marcos. Norma linguística &

preconceito social: questões de terminologia. Veredas, Revista de Estudos Linguísticos,

Juiz de Fora, v. 5, n.2, jul/dez, 2003.

12 BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. Glossário Ceale, [s.d.]. Disponível em:

https://www.ceale.fae.ufmg.br/glossarioceale/verbetes/preconceito-linguistico.

Acesso em: 20 nov. 2023.

13 GOUVEIA, Maria Carmen de Frias e. A categoria gramatical de género do português

antigo ao português actual. In: Rio-Torto, Graça Maria; Figueiredo, Olívia Maria; Silva,

Fátima (ed. Lit). Estudos em homenagem ao Professor Doutor Mário Vilela. Porto: FLUP,

2005. pp. 527-544. Disponível em: http://hdl.handle.net/10316/13383. Acesso em: 20

nov. 2023.

14 MACHADO, Helena. Memória de ninguém. São Paulo: Nós, 2022.

15 LEVY, Deborah. Coisas que não quero saber. Trad. Celina Portocarrero e Rogério

Bettoni. São Paulo: Grupo Autêntica, 2017.

16 Nota sobre esta edição. In: JESUS, Carolina Maria de. Casa de alvenaria. Volume 1:

Osasco. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

17 REBINSKI, Luiz. Novas edições reacendem polêmicas sobre Carolina Maria de Jesus.

Rascunho, 5 set. 2021. Disponível em: https://rascunho.com.br/noticias/novasedicoes-reascendem-polemicas-sobre-carolina-maria-de-jesus. Acesso em: 20 nov.

2023.

18 FARACO, Carlos Alberto. História sociopolítica da língua portuguesa. São Paulo:

Parábola Editorial, 2016.

19 O livro do professor Carlos Alberto Faraco História sociopolítica da língua

portuguesa traz um estudo minucioso das inúmeras questões envolvidas nas formas

como a língua portuguesa foi se transformando ao longo do tempo. Fica o convite

para essa leitura importante no campo da linguagem.

20 BORBA, Lilian do Rocio. O modo brasileiro de dizer língua e nação. In: Estudos

Linguísticos, v. 34, pp. 980-985, 2005.

21 Para um olhar aprofundado sobre algumas das discussões em torno da obra de

Carolina Maria de Jesus, ver: PENTEADO, Gilmar. A árvore Carolina Maria de Jesus:

uma literatura vista de longe. In: LITERATURA E PERIFERIA – Estud. Lit. Bras. Contemp. n.

49, pp. 19-32, set./dez. 2016. Disponível em:

https://www.scielo.br/j/elbc/a/RLd6tQFZCtCRZJ68SN9PprS. Acesso em: 20 nov. 2023.

22 MOSER, Benjamin. Clarice, uma biografia. São Paulo: Cosac Naify, 2009, p. 22.

23 Ibid., p. 22.

24 MOSER, Benjamin. Clarice, uma biografia. São Paulo: Cosac Naify, 2009, p. 22.

25 REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

26 BARBOSA, Zélia de Oliveira. Ilhota: testemunho de uma vida. Porto Alegre: UE, 1993.

27 hooks, bell. Teaching to Transgress: Education as the Practice of Freedom.

Abingdon: Routledge, 1994.

28 ELIAS, Vanda Maria; Koch, Ingedore Villaça. Ler e escrever: estratégias de produção

textual. São Paulo: Editora Contexto, 2008.

Marcuschi, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São

Paulo: Cortez, 2010.

29 SANTANA, Tayrine; Zapparoli, Alecsandra. Conceição Evaristo – “A escrevivência

serve também para as pessoas pensarem”. In: Itaú Social Agência de Notícias, 9 nov.

2020. Disponível em: https://www.itausocial.org.br/noticias/conceicao-evaristo-aescrevivencia-serve-tambem-para-as-pessoas-pensarem. Acesso em: 20 nov. 2023.

30 Veja, por exemplo, a manchete deste artigo do jornal Correio Braziliense:

https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2020/11/4891823-a-gentecombinamos-de-nao-morrer.html.

31 O artigo completo da autora, intitulado “Caro colega: exclusão linguística e

invisibilidade“ pode ser acessado aqui: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?

codigo=2547161.

32 Sobre isso, veja, por exemplo, os trabalhos do pesquisador Guilherme Mäder.

33 A percepção sobre o genérico tem sido alvo de inúmeros estudos. Veja, por

exemplo, os estudos de REDL, Theresa; FRANK, Stefan L.; SWART, Peter de; HOOP,

Helen de. The male bias of a generically-intended masculine pronoun: Evidence from

eye-tracking and sentence evaluation. In: PLOS ONE 16(4), abr. 2021. Disponível em:

https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0249309. e GYGAX,

Pascal; GABRIEL, Ute; SARRASIN, Oriane; OAKHILL, Jane; GARNHAM, Alan. Generically

intended, but specifically interpreted: When beauticians, musicians, and mechanics

are all men. In: Language and Cognitive Processes, 23:3, 464-485, 18 mar. 2008.

Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01690960701702035.

34 Veja, por exemplo, o artigo científico de Lau e Sanches (2019), que não só discute a

questão como também faz uso da linguagem não-binária.

LAU, Heliton Diego; SANCHES, Gabriel Jean. A linguagem não-binária na língua

portuguesa: possibilidades e reflexões making herstory. Revista X, [S.l.], v. 14, n. 4, pp.

87-106, set. 2019. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/66071.

Acesso em: 20 nov. 2023.

35 Observe que aqui estamos empregando a estrutura não binária em uso corrente

hoje no português, com término da palavra em “e” quando há flexão de gênero -a e -o

no final de substantivos relacionados a pessoas.

36 CAê, Gioni. Manual para o uso da linguagem neutra em Língua Portuguesa. UNILA,

2020. Disponível em: https://portal.unila.edu.br/informes/manual-de-linguagemneutra/Manualdelinguagemneutraport.pdf. Acesso em: 20 nov. 2023.

37 Ingedore Koch, linguista brasileira, fala sobre os movimentos de retração e

progressão dos textos em diferentes trabalhos.

38 O NOME disso. Intérprete: Arnaldo Antunes. In: NINGUÉM. Rio de Janeiro: Sony,

1995. CD, faixa 3.

39 KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. São Paulo: Editora Contexto, 1989.

40 É possível ler o texto aqui:

https://www.estadao.com.br/opiniao/uma-escolha-muito-dificil.

41 UMA ESCOLHA muito difícil. Estadão. São Paulo, 8 out. 2018. Disponível em:

https://www.estadao.com.br/opiniao/uma-escolha-muito-dificil. Acesso em: 21 nov.

2023.

42 UMA ESCOLHA muito difícil. Estadão. São Paulo, 8 out. 2018. Disponível em:

https://www.estadao.com.br/opiniao/uma-escolha-muito-dificil. Acesso em: 21 nov.

2023.

43 O título do editorial é “Uma escolha muito difícil” porque os autores defendem,

justamente, se tratar de uma disputa em que os dois candidatos não seriam, na

perspectiva do jornal, os melhores para a disputa.

44 GARDEL, Stênio. A palavra que resta. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 12.

45 COM PLACAR de 3 a 1 contra Bolsonaro, julgamento no TSE é suspenso. Veja, 29 jun.

2023. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/julgamento-bolsonaro-tse.

Acesso em: 21 nov. 2023.

46 Para uma discussão detalhada sobre o tema:

OLIVEIRA, Niara de; Rodrigues, Vanessa. Histórias de morte matada contadas feito

morte morrida. Curitiba: Drops Editora, 2021.

47 A notícia está aqui:

LESSA, Juan. Mulher é morta a facadas dentro da própria casa em Araruama, RJ; exmarido é o principal suspeito. G1, 11 maio 2023. Disponível em:

https://g1.globo.com/rj/regiao-dos-lagos/noticia/2023/05/11/mulher-e-morta-afacadas-dentro-da-propria-casa-em-araruama-rj-ex-marido-e-o-principalsuspeito.ghtml. Acesso em: 21 nov. 2023.

48 GORNICK, Vivian. The Situation and the Story: The Art of Personal Narrative. Nova

York: Farrar, Straus and Giroux, 2002.

49 LION Man. Intérprete: Criolo. In: NÓ NA orelha. São Paulo: Oloko Records, 2011. CD,

faixa 9.

50 O texto da manchete foi posteriormente alterado para “(…) fala apontada como

homotransfobia”. É possível ler o texto aqui:

FAMOSOS pedem prisão de André Valadão após fala apontada como

homotransfobia. Folha de S.Paulo, 3 jul. 2023. Disponível em:

https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2023/07/famosos-pedem-prisao-de-andrevaladao-apos-fala-supostamente-homotransfobica.shtml. Acesso em: 21 nov. 2023.

51 PASTOR André Valadão diz que Deus mataria todos os LGBTQIA+ se pudesse. Folha

de S.Paulo, 3 jul. 2023. Disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/07/pastor-andre-valadao-diz-quedeus-mataria-todos-os-lgbtqia-se-pudesse.shtml. Acesso em: 21 nov. 2023.

52 CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história de poligamia. São Paulo: Companhia das

Letras, 2004, p. 9.

53 SARAMAGO, José. O evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das

Letras, 1991, pp. 252-253.

54 MACHADO, Helena. Memória de ninguém. São Paulo: Editora Nós, 2022, pp. 152-153.

55 MONTERO, Rosa. A louca da casa. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2015.

56 ANZALDÚA, Gloria. Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do

terceiro mundo. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 08, n. 01, pp. 229-236, 2000.

Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-

026X2000000100017&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 21 nov. 2023.

Mariana Saliby

Jana Viscardi nasceu em Votuporanga, no interior de São Paulo. É

graduada, mestre e doutora em Linguística pela Universidade Estadual de

Campinas (Unicamp). Com o lema “Como nos comunicamos importa”, há

oito anos cria conteúdo nas redes sociais com o objetivo de chamar a

atenção para a importância da linguagem no nosso cotidiano, da leitura

de notícias à escrita de um e-mail de trabalho. Jana também oferece

cursos e palestras sobre as relações entre linguagem e sociedade, temas

pelos quais se interessa há pelo menos vinte anos. Escrever sem medo é

seu livro de estreia.

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